terça-feira, 28 de maio de 2013

A Cidadania Uma breve apresentação juridico-política


JOÃO AFONSO AGUIAR

A cidadania é um conceito antigo que sofreu várias alterações no seu conteúdo ao longo do tempo, é também um conceito dependente da qualidade de cidadão e consequentemente as transformações de um conceito têm reflexo directo no outro.

A tradição histórica reconduz o nascimento da qualidade de cidadão e da cidadania à antiguidade clássica, mormente à polis helénica do séc. V a.C., onde era definida através da contraposição do cidadão aos restantes membros da comunidade (os estrangeiros, os escravos e as mulheres) e na atribuição de um poder/dever de participação na vida política da cidade.

É desta relação com os negócios públicos da cidade (“civitas”) que se obtém a etimologia de cidadania, extraída do conceito latino “status civitatis”, que exprime um estatuto, um vínculo jurídico, do indivíduo com a comunidade politicamente organizada. A este conceito clássico de cidadania, Benjamin Constant denominou de “liberdade dos antigos” que se caracterizava pela “liberdade – participação” nos negócios públicos, à qual era contraposta a “liberdade dos modernos” cuja evolução liberal consagrou como “liberdade – autonomia”.

Como refere o douto autor[1] “ (…) entre os antigos, o indivíduo, soberano quase habitualmente nos assuntos públicos, é escravo nos assuntos privados (…) entre os modernos, pelo contrário, o indivíduo, independente na sua vida privada, não é soberano, mesmo nos Estados mais livres, senão na aparência (…)”.

Na Idade Média, com a desagregação do Império romano e a atomização dos centros de poder, o vínculo jurídico de cidadão desaparece e dá origem ao vínculo jurídico de súbdito, que estabelece uma relação de subordinação entre dois indivíduos (o individuo soberano e o individuo subordinado).

No período moderno, e com o impulso dado pela revolução francesa (1789), o conceito de cidadania sofre uma nova transformação e sobrepõe-se ao conceito de súbdito, deixando a relação de ser apenas de subordinação reintegrando a participação no seu núcleo e, dessa forma, substituir um dos sujeitos da relação (o individuo soberano) pela nova figura jurídico – política do Estado.

É com a emergência do Estado moderno que assistimos à configuração actual do conceito de cidadania, pois o Estado define-se também por um princípio de pessoalidade: o povo, ao qual se destina o seu poder[2]. Desta forma, o cidadão é o membro do Estado e a cidadania a qualidade de cidadão, que após a revolução francesa se elaborou como participante no Estado democrático.

Esta nova fase é marcada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que distinguiu direitos do homem, enquanto tal, ligados ao conceito de direitos originários com origem no direito natural, de direitos do cidadão, o indivíduo vivendo em sociedade.

A cidadania é hoje um “vínculo jurídico – político que, traduzindo a pertinência de um indivíduo a um Estado, o constitui perante este num particular conjunto de direitos e obrigações”[3]. Este vínculo é essencial e estrutural para o Estado porque através dele se define o povo de um Estado. É igualmente estrutural para as pessoas, e daí a sua definição como um direito fundamental, reconhecido no Direito Internacional pelo artigo 15.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), que consagra o direito à cidadania e o direito a optar por uma cidadania.

O cidadão de um Estado distingue-se de um estrangeiro pela natureza dos direitos e obrigações que estabelece com o Estado. Contudo, actualmente essa diferença tem-se esbatido mas com a manutenção de um núcleo essencial reservado ao cidadão nacional, correspondente a direitos políticos, conforme é possível exemplificar pela redacção actual do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).



[1] cit. CONSTANT, Benjamin – De la liberte des anciens comparée à celle des modernes. in Cours de Politique Constitutionnele, IV, Paris, 1820, pág. 241 e segs. (apud MIRANDA, Jorge – Manual de Direito Constitucional. Preliminares. O Estado e os Sistemas Constitucionais. Tomo I. 7ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. pág. 54.

[2] cf. Ibidem. pág. 93 e segs.


[3] cit. RAMOS, Moura R. M. – A Cidadania. in Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa: Editorial Verbo, 1983. pág. 824.

João Afonso Aguiar, nascido no anno domini de 1985, natural e residente de Sintra, é advogado estagiário, membro da direcção da Associação Cultural Alagamares, frequenta actualmente uma pós-graduação de especialização em Direito Fiscal e prepara a sua dissertação de mestrado subordinada ao tema “O Referendo Constitucional”.

Com intervenções no movimento associativo estudantil e nos mais variados espaços de intervenção militante pela cidadania global, acredita que a pessoa não se confina a uma mera especialização no circuito económico, devendo para isso viver e usufruir nas suas dimensões intelectual, criativa, social, política e familiar.

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