quarta-feira, 19 de junho de 2013

O que é o Fundo Monetário Internacional?

JOÃO AFONSO AGUIAR 
 



A elaboração deste artigo visa contribuir, modestamente, para a compreensão dos meios e dos fins que consubstanciam a acção do FMI, enquanto instituição financeira mundial que emergiu no pós-guerra como pilar de uma nova ordem monetária que deveria contribuir para a paz e prosperidade global. Sendo esta instituição uma presença assídua nos meios de comunicação social sempre com a aura de misticismo de uns senhores, de fato escuro e com ar conhecedor dos assuntos económicos, que aparecem de três em três meses para se certificarem do nosso cumprimento do pacto que nos retirou a soberania, espero ajudar a divulgar a verdade sobre a sua organização e fins, onde saltam as incoerências e as imperfeições daqueles que se julgam possuidores de uma fórmula mágica para a resolução dos problemas financeiros nacionais.
Faremos então uma breve apresentação institucional, à qual se seguem os objectivos, as funções e a discussão sobre a reforma do Fundo. 
O FMI é  dotado de personalidade jurídica e tem hoje o estatuto de instituição especializada das Nações Unidas. Iniciou a sua actividade em 1 de Março de 1947, com 39 membros originários12, e é actualmente composto por 188 membros desde a entrada do pequeno Estado polinésio de Tuvalu em 24 de Junho de 20103 A cada membro é atribuída uma quota, no caso dos membros originários é definida no Anexo A dos estatutos do FMI e no caso dos outros membros é definida pela Assembleia dos Governadores e revista quinquenalmente.
A fixação da quota4 deveria ter por base critérios económicos, todavia têm sido igualmente adoptados critérios políticos de gestão das relações internacionais. Um critério que não é de todo estranho se considerarmos que é através da quota que cada membro estabelece o seu poder dentro do FMI, pois a cada membro são atribuídos 250 votos acrescidos de um voto por cada 100 mil direitos de saque especiais.A importância da quota aumenta nos momentos das decisões mais importantes, que exigem 85% dos votos, e países como os EUA, detentores da maior quota no FMI (17,14%), ou o conjunto dos Estados-membros da União Europeia, acabam por possuir um poder de veto nessas matérias.O cálculo do valor da quota é um processo complexo, existindo cinco fórmulas de cálculo, que ponderam o PIB do Estado, as suas reservas internacionais (em ouro, dólares, DES, euros e as posições de reserva do FMI) e o conjunto das receitas e dos pagamentos correntes. Além destes critérios económicos, são ponderados o potencial do país para contribuir para os recursos do FMI, as eventuais necessidades de financiamento e o impacto das suas políticas económico – financeiras na economia internacional.Este processo de definição da quota dos membros do FMI tem sido objecto de críticas que indicam um favorecimento dos EUA em detrimento de outras potências económicas5.Devido à sua natureza de organização internacional de cariz intergovernamental, os membros do FMI têm o direito de sair da organização (Artigo XXVI, secção 1) ou, se deixarem de cumprir com as obrigações do acordo, têm a possibilidade de serem expulsos (Artigo XXVI, secção 2).

 Os objectivos e as funções do FMI.

O FMI é  o resultado da conferência de Bretton Woods e a sua concepção teve origem no Plano Whyte. Deste modo, ele reflecte uma certa visão ideológica e política das nações vencedores da II Guerra Mundial que visavam estabelecer uma ordem económica liberal e impedir o regresso das práticas monetárias anteriores à guerra.
Em resultado dos seus fins, o fundo assume três perspectivas distintas7:
  1. A disciplina da actuação dos Estados através de um Código de boa conduta das políticas monetárias;
  2. A de instituição financeira que assegura a liquidez necessária para os países enfrentarem os problemas com as suas balanças de pagamentos;
  3. A de organização internacional com competências para decidir e praticar actos de gestão.
Quanto aos seus objectivos começamos por esclarecer que estes são distintos dos do Banco Mundial, pois não há uma preocupação directa com o desenvolvimento económico. O FMI foi essencialmente concebido para resolver os problemas emergentes das balanças de pagamentos e não se preocupa em primeiro plano com os problemas estruturais da economia como o Banco Mundial.Daqui decorre uma das críticas normalmente apontadas ao fundo de que este é contrário ao desenvolvimento, porém, os seus defensores, perante esta crítica, tendem a afirmar que o FMI não é uma organização de desenvolvimento, logo esta não teria de ser a sua principal preocupação, e que sem o equilíbrio da balança de pagamentos não é possível o desenvolvimento económico8. Independentemente da polémica, se apenas é possível desenvolvimento económico com uma balança de pagamentos equilibrada ou se apenas é possível uma balança de pagamentos equilibrada com desenvolvimento económico, os objectivos do FMI são marcados pela lógica do equilíbrio financeiro, pela separação entre os seus objectivos e os objectivos do Banco Mundial e têm-se mantido praticamente os mesmos desde a sua fundação devido às dificuldades de estabelecer um compromisso político para a sua alteração.Os objectivos do FMI estão consagrados no Artigo I dos estatutos, os quais passamos a enunciar:
  1. Promover a cooperação monetária internacional;
  2. Facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional;
  3. Promover a estabilidade dos câmbios;
  4. Contribuir para a instituição de um sistema multilateral de pagamentos e para a eliminação das restrições cambiais;
  5. Incutir confiança aos membros, pondo temporariamente à sua disposição os recursos do Fundo, mediante garantias adequadas;
  6. Encurtar a duração e reduzir o grau de desequilíbrio das balanças de pagamentos internacionais dos membros.
Termina o artigo a referir que em todas as suas políticas e decisões, o Fundo orientar-se-á pelos objectivos consignados no presente artigo.   
Deste conjunto de objectivos decorrem três funções fundamentais9 10: a regulação das relações financeiras entre os membros; a assistência financeira aos Estados em dificuldades; a de órgão consultivo.A função de regulação das relações financeiras alterou-se substancialmente desde a segunda emenda aos estatutos do FMI e com o consequente colapso do sistema definido em Bretton Woods, desde então que se menciona uma função de vigilância em vez de regulação. Está consagrada no Artigo IV, secção 3 dos estatutos, e estatui a realização de consultas regulares aos países membros e o exame periódico da evolução das taxas de câmbio. As consultas regulares decorrem tanto das visitas e recolha de informação pelo FMI, como do dever de prestação de informação pelos países (Artigo VIII, secção 5), e no final é elaborado um relatório que será analisado pelo Directório Executivo.
A função de assistência financeira é a mais complexa e a mais significativa desde a criação dos DSE.
Existe uma vasta e complexa estrutura de formas de intervenção que sinteticamente podem ser dividas em11:
    1. Meios financeiros que provêem de recursos próprios ou de recursos provenientes de empréstimos, podendo estes ser bilaterais ou multilaterais.
    2. E assistência financeira onde se enquadram:
      1. Mecanismos ou facilidades de vocação geral (tranches de reserva, tranches de crédito, acordos stand-by e um mecanismo alargado de crédito);
      1. Facilidades de vocação especial (desenvolvidos para as economias de certos países);
      2. Facilidades de apoio ao desenvolvimento (o mecanismo de facilidade de ajustamento estrutural e a facilidade para o crescimento e a redução da pobreza);
      3. Facilidades extraordinárias (facilidade de reserva suplementar e a linha de crédito contingente).
    1. Por fim, os DSE.
 A função de consulta é essencialmente exercida na preparação dos acordos a celebrar com os países ou pode ser solicitada pelos países no apoio a reformas dos seus sistemas financeiro e fiscal. Tem igualmente expressão na reflexão teórica desenvolvida e publicada pelo FMI sobre os desafios económicos e financeiros.
No entanto, esta função poderá colidir com o dever do FMI de abstenção de intervenção política, que decorre não directamente dos estatutos mas dos seus princípios e da salvaguarda da sua credibilidade, obrigando o fundo a um elevado rigor científico nas suas intervenções.

A reforma do FMI.

O tema da reforma do FMI tem estado especialmente presente desde a década de 1990, quando o fundo começou a disponibilizar ajuda a países num valor superior ao das suas quotas e não para a superar os problemas tradicionais com a sua balança de pagamentos mas problemas decorrentes da liberalização dos mercados financeiros12.
O FMI é uma organização essencialmente concebida para a resolução de problemas de curto prazo relacionados com a balança de pagamentos e para uma ordem monetária de câmbios estáveis à luz dos acordos de Bretton Woods.Ora, a ordem monetária do pós-guerra desapareceu dando início a uma era de câmbios flexíveis e com a globalização financeira da década de 1980 surgem novos desafios que ultrapassam o paradigma da balança de pagamentos. Todavia, o fundo manteve-se o mesmo sem reformas institucionais, apesar da sua reforma “invisível” ao privilegiar um modelo económico neo-liberal e assente numa economia da oferta em detrimento do seu paradigma inicial de uma economia da procura13.
Aliás, tem sido o modelo económico usado para o apoio aos países em dificuldade mas com resultados pouco consensuais e sujeitos a duras críticas tanto por economistas de prestígio internacional, como Paul Krugman ou Joseph Stiglitz, como por movimentos sociais anti-globalização14.Independentemente das críticas ao modelo económico desenvolvido, pois essa é uma discussão do fórum da ciência económica, a verdade é que o fundo é uma organização concebida para uma realidade que já não existe. Como poderá funcionar o FMI na nova ordem monetária internacional ou faz a sua existência sentido nesta nova realidade?As duas grandes linhas de reforma são as que apontam para a extinção ou redução das atribuições do fundo15 e as que desejam um reforço do envolvimento do fundo nas questões relacionadas com o desenvolvimento económico.Porém, a linha que parece ser mais consensual é a que deseja a continuação do FMI mas com uma profunda reforma institucional16. Esta reforma teria como vértices a instituição de um executivo forte em detrimento das reuniões informais das economias mais poderosas do mundo, a redução da burocracia interna, a legitimação do executivo com uma revisão profunda das quotas dos países membros e das maiorias necessárias para cada votação e a necessidade de reequilibrar os poderes dentro do fundo, onde oito Estados (EUA, Reino Unido, Japão, França, Alemanha, Arábia Saudita, Rússia e China) têm 48,15% dos votos contra 51,85% do resto do mundo.O maior bloqueio a esta reforma tem sido protagonizado pelos EUA que não deseja perder o poder que têm sobre o fundo, poder que utiliza para impedir qualquer resolução de reforma, fazendo uso do seu poder de veto nas votações que exigem 85% dos votos a favor.
Por último, a reforma do FMI não poderá ser feita isoladamente, terá sempre que ser concebida em conjunto com o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comercio. Em face dos novos desafios do mundo, talvez seja tempo de convocar uma nova conferência para estabelecer uma nova ordem monetária (e económica) internacional. 

1 Países que estiveram representados na conferência de Bretton Woods e que os governos aceitaram ser membros antes de 31 de Dezembro de 1945.
2 Os estatutos do FMI dividem expressamente os seus membros no Artigo II em “membros originários” e “outros membros”.
3 A consulta dos membros pode ser feita no sítio na Internet do FMI, http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/memdate.htm
4 Sobre o processo de fixação da quota cf. MORAIS, Luís D. S. (Org.) – ob. cit. pág. 211 a 213.
5 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 284.
6 No sítio da Internet http://www.imf.org/external/np/exr/facts/spa/list.aspx
7 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 277.
8 cf. Ibidem.
9 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 278
10 cf. MORAIS, Luís D. S. (Org.) – ob. cit. pág. 168 e seg.
11 Para uma análise no âmbito da ciência económica cf. MEDEIROS, Eduardo Raposo de – ob. cit. pág. 520 e seg.
12 Esta discussão iniciou-se nos EUA em resultado da crise mexicana de 1994-95. cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 289 e seg.
13 cf. KRUGMAN, Paul – O Regresso da Economia da Depressão e a Crise Actual.4ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 2009. pág. 181 e seg.
14 As actuações muito criticadas do fundo são as intervenções na Ásia e na Rússia em 1997, no Brasil em 1998, na Argentina em 2001 e, mais recentemente, a impensável intervenção em países cuja moeda é o Euro – Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha?...
15 cf. STIGLITZ, Joseph E. – Globalização A Grande Desilusão. 3ª ed. ver. Lisboa: Terramar, 2004. pág. 290.
16 cf. FERREIRA, Eduardo Paz – ob. cit. pág. 295.

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