sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sintra, nha terra emprestada, como qui un terra di meu

ANA MARTINS


Perguntam-me no balcão de Sintra a minha graça. Mircia, respondi, crioula criada na Serra das Minas. Conheço o caminho da Segurança Social e do Centro de Emprego, mas não o dos palácios e dos poetas. Nha mãe? Veio trabalhar para Portugal era eu pequenita, quedei-me com os tios Mindelenses e só vim para Sintra reunir-me com nha mãe, já a família tinha crescido. Nha mãe pediu que eu fosse: “Nha mocinha bunita, fica li com nos família!” (minha menina bonita, fica aqui com a nossa família!), para que tomasse conta de meus irmãos. Viajei para cá com a roupa do corpo e un pidid pa Dêus deixa'm trazê nha cavaquinho, quel mesm ônde nha avô tocava en sês tocatinas. E eu trouxe.

Mas fiz a escola, esse crescimento não me foi negado, e sei que o cansado mas carinhoso abraço maternal chegou para todos.

Sempre que venho à vila é para pagar uma conta atrasada, dar um recado, entregar documentos, ou como agora, vir pedir trabalho. Estar em Sintra, tem um saborzinho diferente, e hoje trago o meu cavaquinho para antes de ir, sentar-me no jardim e tocar um pouco.

Sim, eu conheço o caminho para os travesseiros, mas nunca entrei no Olga Cadaval.

(Ana Martins)



Ana Martins nasceu em Lisboa, Alvalade, no último dia de Verão do carismático ano de ‘63 quando surgem os Beatles e desaparece JFK.  Acredita que de um escritor deve saber-se o que escreve não o que diz, pensa ou é.

Contudo rende-se, já neste século, às novas tecnologias e privilegia o contacto e interactividade com seus leitores através das redes sociais.

Sempre escreveu, nunca poemas, mas cartas a amigos e diários em cadernos de textos intermináveis, rabiscados como esquissos de promissoras telas nunca pintadas.

Recusa com veemência escrever de acordo com o Acordo Ortográfico actualmente em vigor.

Colabora para diversos blogs e revistas, e tem quatro livros publicados:    “EVO (ou amar para sempre) ” 2011 ; “Mal Me Quero” 2010 ; “Autista, quem…? Eu?” 2006 ; “Contos de Verão” 2004

Ana Martins adora inventar personagens credíveis e dar-lhes continuidade. Não lhes impõe prazos de validade: vivem o tempo que tem de viver, o que têm de viver. Neste blog propõe-se dar cor, voz e alma a alinhavos de figuras ficcionadas menos óbvias que deambulam por Sintra.


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