sábado, 31 de agosto de 2013

A verdadeira história dos Diamantes Negros-II Parte

CARLOS JOSÉ SANTOS (CAÍNHAS)



I PARTE EM





O 25 DE JANEIRO DE 1964

25 de Janeiro de 1964. Apresentação do Novel Conjunto Sintrense Diamantes Negros, era o que dizia o programa da Sociedade nesse dia.

22 horas, pano fechado, grande expectativa, tudo a postos. Eis que surge no palco um jovem de 18 anos completamente fora do estalão português, ou seja, alto, louro e de olhos azuis, se não são azuis peço desculpa, pois na família dele há olhos para todos os gostos, até tem um irmão com um olho azul e outro castanho. O apresentador da noite mágica tem nome, e que nome…Fui buscar um bom amigo de infância, com quem partilhei muitos dias e anos em sua casa, também pela amizade que tinha com os outros irmãos, especialmente o do meio, o Zé.

Inteligente e muito perspicaz, tinha habilidade para tudo que tivesse relação com o desporto, no hóquei em patins esteve entre os melhores. Não frequentava bailes, tão pouco ia à Sociedade União Sintrense. Eu arrisquei nele porque o conhecia bem, pela sua inteligência, o saber dizer, a presença e apresentação. Tinha de dar certo, o meu escolhido tal como nós também ia debutar.

E foi logo aí que começámos a ganhar. O Carlos José da Conceição Nascimento (Carlos Nascimento) pois é dele que falo, foi um sucesso, apresentou-nos como um profissional experiente, eventualmente tremendo por dentro como amador que era, mas nada transpareceu.

Feita a apresentação, surge a primeira música- Round and Round- às 22 horas, mais coisa menos coisa, o velho pano de boca de cena, verde pela frente e vermelho para o palco, abriu-se, apareceram quatro jovens, nervosos mas decididos, a tocar uma música dos Shadows, sem viola baixo. Foi o delírio. Só posso falar por mim, deu-me uma dor tão forte no peito que acho que só tive igual agora depois de usado e por isso só parou no hospital Amadora-Sintra com oito dias de “estágio” à mistura.

Mas as palmas foram tantas que daí até às cinco da manhã, cada música, cada êxito, palmas e mais palmas.

Ainda me lembro de alguns números que interpretámos com sucesso: vários dos Shadows, o tema de abertura que já referi e que passou a ser durante muito tempo, Peace Pipe, e mais alguns. O Xixó tocou piano com estrondo no Quando calienta el sol , e cantou em espanhol, o que para ele, todo virado para o inglês, era assim o mesmo que lhe arrancar os dentes todos. Mas nós queríamos ser e éramos abrangentes, tínhamos música inglesa (era a base) francesa, italiana, e no dia da apresentação, meus senhores, eu cantei!. Não que eu não saiba cantar, mas a minha voz nunca me ajudou muito. E cantei uma canção do Marino Marini, com o Xixó ao piano, o Álvaro José na guitarra, o Carlinhos Rodrigues no sax e eu à bateria e voz o Perdoname.

O nosso instrumental:

Aparelhagem de vozes, o que era isso? Tínhamos para a apresentação coisas muito rudimentares. Quem estava melhor equipado, embora mal e por pouco tempo, era o Xixó. Ele tinha uma viola nova, Egmond, era a marca e custou três contos, uma fortuna para a época; o Álvaro José tinha uma Tulip comprada em segunda mão; eu tinha uma bateria velha que fui desencantar numa casa de penhores e que, se virem bem a foto da época, concluem que era impossível tocar alguma coisa naquele instrumento, mas deu para a festa de apresentação.

Aí ganhámos bom dinheiro, e apetrechámo-nos dentro das nossas posses. Sempre nos preocupámos em comprar bom equipamento, em detrimento de levar dinheiro para casa.

Éramos mesmo amantes da música, fazíamos tudo com muito amor, até as discussões permanentes, Xixó/Luís, Caínhas/Luís, Caínhas/Xixó/Luís, o Luís, como vêm…

Temos vários episódios giros, mas ainda sobre equipamento, posso acrescentar que a aparelhagem da guitarra de acompanhamento do Álvaro José era uma telefonia que o senhor Cochicho tirou de sua casa e, a ligação para o pick up era feita com duas bananas. E aquilo dava som? Quase nada, mas naquele tempo davam-se bailes no Parque da Vila para mil pessoas ou mais, sem aparelhagem e com o Avelino Gil a cantar, ou com uma aparelhagem de 15 watts. É que o pessoal era pacato. 

Continua

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Two Sintra short stories

TAYLOR MOORE

Canadiano apaixonado por Sintra e seu fotógrafo nos últimos meses, Taylor Moore envia-nos dois nanocontos que editamos em inglês e português (tradução adaptada)

Two Sintra stories. /Duas histórias de Sintra

For those that don't know Little Town Sintra has a lot of VIBE and that is with a capital V. There is much pagan and religious significance to the Sintra area and has had for many centuries. 

Story 1 So I am driving with my friend Sandra in her car. We had just been out shooting a location. We are talking about the soul of Sintra and about Sintra ghosts stories. So we pass by this very old Quinta, and I say that I had heard that there was a ghost that had in lived there. Just then her radio turned on and said "Amen" in Portuguese. okkkkkk then. 
 
História 1. Estou a guiar com a minha amiga Sandra no carro dela. Tínhamos acabado de fotografar um local. Estávamos a conversar sobre a alma de Sintra e as suas histórias.E foi quando passámos na velha quinta, e lhe disse que tinha ouvido dizer que uma fantasma aí tinha vivido. Nessa altura o seu rádio ligou-se e disse “Amén” em português. Okkkkk, pois.


Story 2. I recently had been working very hard on a butterfly animation from photographs I had taken of the original butterfly that the amazing Carvalho Monteiro of Quinta de Regaleira had studied for his alchemic and botanical research. It was an intense animation marathon of work for me of two-16 hour days that resulted in the very long dead butterfly successfully coming back to life via animation and visual effects. The next morning I go and drop off the finished animation. I am sitting in the sunlight at the terrance restaurant feeling very content for a job well done. Next thing a butterfly swoops over and sits on the edge of my water glass. For 15 minutes he's looking at me and flapping his wings, and I'm looking at him flapping my wings. Finally he gets bored and and fly's off. I have never had anything like that happen to me, and I have only seen like 10 butterflies in my whole life. The timing of it all was very saudade with a touch of sublime. Some days life make absolutely no sense, and then some days, it all makes sense. Sintra is very, very connected. Obrigado.
 
História 2. Recentemente estive a trabalhar no duro numa animação com borboletas a partir de fotos que obtive a partir das originais, que o extraordinário Carvalho Monteiro da Quinta da Regaleira estudou nas suas pesquisas alquímicas e botânicas. Foi uma intensa maratona animada de trabalho que dediquei durante dois dias de 16 horas de trabalho cada, e que resultaram num longo e bem sucedido retorno à vida das borboletas, através de animação e efeitos especiais. No da seguinte, terminei as animações. Estou sentado ao sol no terraço do restaurante e contente pelo bom trabalho realizado, quando uma borboleta sobrevoa o local e poisa no meu copo de água. Durante quinze minutos ficou a olhar para mim e a bater as asas, e eu olhando para ela batendo igualmente as minhas asas, olhando para ela. Finalmente, aborreceu-se e foi embora. Nada como isto alguma vez me aconteceu, e apenas vi umas dez borboletas em toda a minha vida. Foi um momento de saudade, com um toque de sublime. Algumas vezes a vida não faz sentido nenhum, e noutras, tudo faz sentido. Sintra tem nisso muita importância. Obrigado.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Cacofonias em tons de azul

EURICO LEOTE

Professor do Ensino Secundário aposentado, com passagens por S. Maria (Sintra), básica do Lourel, estágio profissional na Luísa de Gusmão. Complemento de formação em bibliotecas escolares na Escola Superior de Educação de Lisboa. Criador do grupo escolar de teatro Lordes do Caos da Secundária de  Mem Martins. Criador da Associação Cultural Absurdo. Colaborador como professor de teatro na Universidade Sénior de Sintra.



As mós do moinho moíam o milho numa moagem grossa deixando cair alguns grãos que ficavam por moer.

A grande roda rodava num rodopio aproveitando o forte vento que ventava no momento.

As cabaças fixas na grande roda assobiavam num assobio constante e cantante, pungente e uivoso, num uivo repetido e uivado semelhante ao lobo esfaimado que desceu dos montes buscando matar a fome, morto por ferrar os dentes numa boa dentada na carne de alguma ovelha.

O burro burricava à sombra de uma figueira com alguns figos, que de tempos a tempos eram fisgados pelas fisgas dos mais novos. Passeava ligeiro, aligeirado que estava da sua carga de sacas de milho, de pescoço ligeiramente inclinado para baixo, aproveitando a inclinação algo inclinada do terreno onde pastava, rilhando o pasto possível, na possibilidade possível de tão cedo encontrar fausto e tenro manjar, em faustoso campo salpicado de malmequeres e de papoilas.

O seu corpo encorpado principia a ser salpicado por salpicos de pólen e por pequenas flores lançadas em sucessivos lances ao sabor da sucessão de rajadas de vento que tudo arrastavam num acto de arrasto, ventado por uma forte ventania que entretanto se levantara, levantando no ar papéis, papelotes e papelões, sacos saquetas e sacolas.

Forço a retirada retirando-me para um abrigo, onde abrigado observo o observável e ouço o ruído ruidoso de portas portadas e portões batidos fortemente pelo vento que passava passageiro, e que levava o que podia na passada através de estreitas passagens, onde só os grãos de areia passavam, formando areais de arenitos depositados em altos depósitos a despropósito e de duvidoso propósito.

O burro burrico zurrou três vezes e três vezes o eco lhe respondeu levado e trazido pelo vento que agora acalmava o seu ventar dando lugar a uma brisa mais suave, passando a soprar num sopro pleno de suavidade que suavizou o ambiente, conduzindo à ambientação humana e humanizando o ar que se passou a respirar após a passagem felizmente passageira e de difícil respiração, a qual por aparentes breves momentos foi impossível respirar e se não respirou na brevidade do momento.

A roda grande do moinho diminui o seu rodar. As mós rodavam agora calmamente na acalmia do vento, moendo o milho numa moagem mais fina, moída na calmaria calma de um vento agora acalmado após uma fúria furiosa que levou o burro burrico a zurrar furioso, questionando o porquê de tão grande e momentânea algazarra àquela hora matinal.

O sol subia no horizonte, buscando a horizontalidade buscada nos dias grandes e grandiosos de verão, onde o sol é mais soalheiro e tudo fica ensolarado e brilhante com um brilhar especial, especialmente nos olhos do teu rosto, onde olhar-te é ver-te radiosa, irradiando alegria na alegria de te ter comigo no dia a dia e ao longo dos tempos intemporais..

Saio para o exterior abandonando o abrigo onde me abrigara ao abrigo do vento ventado pela forte ventania que ventara momentos antes. Colho nos braços uma braçada de malmequeres de mistura misturada com papoilas vermelhas que salpicam de salpicos avermelhados os verdes campos. Componho um lindo ramo composto pelas rubras papoilas e brancos malmequeres, ato com um cordel de corda feito, e enfeito com o meu sorriso sorridente de alegria e de felicidade.

Saio caminhando pelo caminho que tu caminhas vindo ao meu encontro. Entrego-te o ramo numa total entrega. Dou-te um beijo e partilho o beijo que me dás. Enlaço-te no laço feito pelo cordel de corda e percorremos juntos o caminho que caminhavas quando ao meu encontro vieste.

Passamos pelo burro burrico que agora com tranquilidade rilhava tranquilamente no fardo de palha aí depositado pelo moleiro responsável pelas mós, pelo moinho e pela moagem do milho.

As cabaças entoavam agora uma melodia melodiosa, com suavidade num sussurro suave, sussurrando palavras adocicadas que te sussurrei ao ouvido de forma doce.

Sorriste para mim abrindo o teu sorriso e permitindo que eu partilhasse desse teu sorriso sorridente.

O teu rosto alegre reflectia alegria num reflexo espelhado pelo espelho do sol. Os teus olhos brilhavam num brilho brilhante único porque era meu e só para mim.

Senti-me subir ao céu elevando-me no ar numa leveza única e exclusiva, como exclusivo e único era o teu franco sorriso.

Demos as mãos e de mãos dadas percorremos o caminho que nos esperava e que teríamos de percorrer rumando rumo ao futuro. Sempre em frente de cabeça bem erguida, prontos para ultrapassar todos os obstáculos obstaculizados por quem nada mais sabe fazer, que não seja obstaculizar e erguer barreiras a quem quer vencer na vida.

Caminhávamos confiantes com a confiança própria de quem sabe que a união faz a força, e que a união feita de paz espiritual e plena de amor consegue derrubar todos os obstáculos e barreiras.

Caminhávamos saciados e conscientes de que os pequenos gestos são mais que suficientes para nos encher de felicidade.

Tínhamos aprendido que a dádiva e a partilha das coisas partilháveis e partilhadas, são condição condicionante e fundamental, com todos os fundamentos para se alcançar a paz interior, e interiorizarmos a felicidade comum.


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

No tempo em que ir ao 2001 era ritual obrigatório

JOSÉ CARLOS SERRANO

Eu fui tendo sorte, por ter irmãos mais velhos. Aí aos 14 ou 15 anos, algumas vezes, fui ver como era o 2001, à porta!

Aquela “gente estranha”, que vinha de todos cantos do país, em grupo, de mota, nos carros dos pais (sem eles saberem). Às quintas-feiras era uma “romaria “!

Era um fenómeno. Não havia nada igual no país. O som. A música rock. As novidades. O DJ “Augusto “!

Ouvia os mais velhos falarem disso tudo!

Quando ia lá, à porta, e as janelas estavam abertas, era como se estivesse lá dentro. Via o grande porteiro, Seixas, a barrar a entrada aos que já não estavam muito próprios para “consumo”.

Parecia fácil, mas entrei pela primeira vez no “ 2 “, ainda não tinha 18 anos, quando começou a haver matines. Apesar de não ser o mesmo público das noites, fiquei todo “inchado” quando passei a porta pela primeira vez. Coisas de "puto” O porteiro era o Manel, um barman.

Apesar de abrir todos os dias, as quintas- feiras eram um dia de sentido único!

Quantas vezes saí de casa para ir á Estefânea, ou à Portela, arranjar parceiros para ir e, não havendo transporte (a vontade era tanta), subi Chão de Meninos, a pé, até ao Ramalhão e aí, em pouco tempo, arranjar uma boleia pró 2.

Sem dúvida que foi (e é) uma discoteca de polémicas paixões e desavenças!

Infelizmente muitos que curtiram uma noite de rock não chegaram aos seus destinos, mas marcou (e marca) várias gerações.

Fez este ano 40 anos!

Continua a” bombar”, na mesma, muito rock. Gente nova e antiga.

Os “bons filhos a casa tornam “!!!

ATÉ LOGO

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A capela do Séc XV do Casal da Torre, em Janas

ANDRÉ MANIQUE



André Manique nasceu em Lisboa, em 1975. Licenciou-se em História pela Universidade Lusíada de Lisboa, em 2002. Teve formação complementar em áreas directamente ligadas com a História, a Arqueologia e o Património, como História da Náutica, Cartografia Antiga, Arqueologia do Navio, Artilharia Antiga, Arqueologia Náutica e Subaquática, entre outras.

A partir de 2001 começou a participar em diversos trabalhos arqueológicos, fora e dentro do país. Em 2008, e já a título profissional, começa a desempenhar funções como Técnico de Arqueologia e Património, percorrendo o país de norte a sul, em diversos trabalhos arqueológicos e de salvaguarda do Património, abarcando diversas cronologias, desde a Pré-História antiga até à Época Moderna e Contemporânea. Actualmente encontra-se numa intervenção num edifício Lisboeta, um antigo palacete do séc. XVI, parte dele assente em cima da antiga Cerca/Muralha Fernandina.



Na zona de Sintra, à entrada da povoação de Janas, existe um casal, primeiramente designado de Miguel Joanes, e que posteriormente ficou a ser conhecido por Casal da Torre. Para ali chegar, segue-se por um caminho de terra batida que parte da estrada principal, e cerca de uns 100 metros adiante, encontram-se umas ruínas de uma antiga capela de estilo gótico. A Capela do séc. XV do Casal da Torre.

Esse casal pertenceu a Mestre Henriques, um distinto Medico que durante o reinado de D. Duarte, foi físico mor do Reino.

Mestre Henriques era um grande devoto da Ordem religiosa do Carmo, tratando os Carmelitas com particular veneração, mantendo estreitas relações com os carmelitas do Convento de Lisboa, o qual havia sido fundado em 1389 pelo Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Não tendo herdeiros e julgando que o seu casal reunia as condições para fundar um Convento da Ordem em Sintra, resolveu pedir assim licença ao rei. Ainda antes de lhe ser concedida a licença régia, a 14 de Novembro de 1436, ergue uma capela, que denomina de Oratório, e que acabaria por se tornar o primeiro cenóbio carmelita em Sintra. Posteriormente, os monges acabariam por abandonar o local e instalar-se numa zona sobranceira à serra, próximo de Colares.

Mas eis, antes de mais, como nos descreve Visconde de Juromenha esse primeiro local, na sua “Cintra Pinturesca”:

“Foi primeiro fundado este Convento no casal da Torre, antigamente chamado de Miguel Joanes no termo de Cintra, que pertenceo a mestre Henrique, physico mór d’El-Rei D. Duarte, o qual tendo primeiro impetrado licença do dito Rei para a sua fundação, [que lhe foi concedida por Carta dada em Lisboa em 14 de Novembro de 1436], deixou em testamento o dito casal, onde já tinha edificado huma Capellinha ou Oratório, á ordem do Carmo para por sua morte se fundar naqelle logar o dito Convento deixando por testamenteiro e executor desta sua ultima vontade a D. Fr. João Manoel, Bispo de Ceuta e Capellão mór.” (Juromenha, 1838, 158)

Mestre Henriques viria a explicitar no seu testamento que as obras do futuro cenóbio só continuariam após a sua morte, pois que pelas suas funções e exigentes permanências na corte, não lhe era possível ausentar-se para o acompanhamento das mesmas. Acabaria por morrer em 1449, e no ano seguinte, a herdade, os seus bens e as suas rendas entraram na posse do convento do Carmo de Lisboa, tendo Frei Constantino Pereira, sobrinho do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, sido escolhido para fundar o novo convento.

Todavia, e como nos descreve um frade carmelita do séc. XVII, José Pereira de Stª Ana, o lugar do Casal da Torre em breve se mostrou inóspito, “assim pela esterilidade da terra, só própria de pão, e de gados, como pela falta de vizinhos, que se podessem aproveitar das doutrinas dos Religiosos (...) [e] por ser totalmente desabrigado [pois] nelle reinaõ com irreparavel furia os ventos, que saõ nocivos á saude” (Stª Ana, 1751, II:96).

A construção do convento, ao tempo reduzida à capela a que Mestre Henriques chamara Oratório – e que milagrosamente ainda hoje resiste à irreparável fúria dos ventos –, foi interrompida e, por doação de um terreno, em 1457, e num lugar chamado Boca da Mata, próximo de Colares, os religiosos acabariam por erguer e fundar um novo cenóbio, o Convento de Santa Ana do Carmo, o qual, contrariamente ao primeiro local se encontrava agora “(…) edificado em hum sitio ameno, em huma planície na raiz da Serra, e sobranceiro á Villa de Collares, cercado de frondoso arvoredo. Gosa ao perto da aprazível vista da varsea, casas de campo, pomares, e quintas revestidas de copados arvoredos, e mais longe de logares, e casaes, terminado o horizonte de hum tão variado e deleitavel painel o occeano, cujas vagas prateadas se estão vendo em distancia quebrar naquellas praias” (Juromenha, 1838, 160-61).

José Alfredo da Costa Azevedo, ilustre sintrense do séc. XX, que muito batalhou e contribuiu pela divulgação e preservação do património natural, cultural e edificado da sua terra, descreve assim o primitivo convento do Casal da Torre aquando da sua visita, na década de 1980:

Fui ao Casal da Torre, ultimamente, umas duas ou três vezes e tive ocasião de verificar que ainda existem algumas casas já sem telhado; e na parede de uma delas ainda se pode ver, reduzida às cantarias, uma longa porta ogival, a qual se apresenta vedada por uma cancela feita de canas; no interior vivem galinhas. O casal parece estar habitado – e a presença das galinhas assim o atesta –, mas a verdade é que, em qualquer das vezes que ali fui, não tive a confirmação do facto” (Costa Azevedo, 1997, II: 11).
Actualmente o Casal da Torre encontra-se de facto habitado, com algumas dependências anexas às sobreditas ruínas, e muito embora a pequena capela já não sirva de galinheiro, o seu estado de conservação merece especial atenção. Seriam de extrema importância obras de recuperação neste monumento, um importante elemento patrimonial sintrense e que a irreparável fúria dos ventos e restantes elementos naturais poderão condenar para sempre.



     ***


 Volvidos dez anos desde que foram escritas estas linhas para um dos capítulos de um trabalho que efectuei sobre o Convento de Santa Ana do Carmo de Colares e seis desde que o mesmo foi apresentado no III Encontro de História de Sintra, resolvi ir visitar de novo o Casal da Torre. Infelizmente o passar dos anos e o fustigar dos ventos e restantes elementos naturais acabaram por prevalecer. Grande parte do alçado sul da capela e seu respectivo portal desabaram por completo, restando apenas parte do alçado nascente e seu portal, muito embora também este em perigo de derrocada.
Surge-me apenas terminar este artigo com o parágrafo com o qual terminei o trabalho na altura.


A importância de um monumento como este vai muito para além da simples valorização arquitectónica e física. Um monumento surge de uma certa necessidade humana em secularizar, não apenas os estímulos técnicos, artísticos e estilísticos do momento, mas também as suas crenças e necessidades de vida, eternizando-se deste modo às gerações vindouras a cultura e sociedade em que se enquadram. Por isso a importância do estudo, conservação, e valorização do Património. Evita-se assim a perda no espaço e no tempo de tudo aquilo que foi vivido, pensado e idealizado antes de nós.
  Alçado Sul antes da derrocada
  Alçado Sul após a derrocada

Bibliografia

- COSTA AZEVEDO, José Alfredo da – “ O Convento do Carmo “ in Recantos e Espaços, Obras de José Alfredo da Costa Azevedo, Vol. II, Sintra, 1997
- JUROMENHA, Visconde de – “ Sintra Pinturesca, ou Memória descritiva da vila de Sintra, Colares e seus arredores “ – Lisboa, 1838
- STª. ANA, José Pereira de – “Chronica dos Carmelitas da antiga, e regular observancia nestes reynos de Portugal, Algarves e seus dominios... ”, Vol. II, Lisboa, 1745-1751