quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O Ósculo

GONÇALO NUNO NEVES



            Num dia de morte nasceu um beijo. E porque um beijo não o é sem destinatário, a queda da folha anuncia um desejo incomensurável de vida: sentir...



            ... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



            Pelas voltas que o Planeta orbita em torno de si, milhões de beijos ainda ingénuos eram lançados à vida deste Planeta. Mas na translação à Esfera termonuclear, os beijos iam tendendo para a nulidade...



            ... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



Ósculo sabia do privilégio com que o Ser havia sido dotado: os cinco sentidos. Todo o Ser, animado ou não, haveria de ter a capacidade de oscular. Mas apenas os humanos a aperfeiçoaram e, destes, por compreensão, alguns eternizaram o seu efeito. Outro “mas”, contudo, negou a todos a verdadeira essência do conjunto do que é um beijo: a sua visão e consequente revisão para que se possa existir em perfeição.


Representações, símbolos, silhuetas foram elaboradas em embaixadas do “beijo”, mas ninguém conseguia ver o “beijo”, muito menos o seu próprio no devido momento da sua materialização.



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



Procurou pelo tempo que se concebe à evolução das possibilidades e reparou que havia um ponto em que o homem reunia num curto espaço, quatro dos seus sentidos: a cavidade bucal.


Se o Ser humano capta a sua realidade através das sensações, nada como um ponto de ligação onde se exerça o contacto inicial. Com o paladar e o cheiro, o tacto e o som de um beijo, um elemento, misterioso e alheio à tabela periódica dos elementos conhecidos pelo homem, daí resultava. Tão poderoso como o Hidrogénio, mas escuro e milagroso quanto ingénuo...



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



Duas dificuldades foram apresentadas ao Ósculo: como arquitectar forma ao beijo; torná-lo presente e material, a fim de ser sentido e deste se servir como requisito.

Um segundo obstáculo, bem mais complicado e derivado da primeira dificuldade, era o beijo poder ser visto por todos. A visão apenas captava a união dos seres em causa e relatava os feitos grandiosos, em memória, que ele sempre produziu na História...



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



O Beijo, de que o Ósculo somente era estruturado, é um processo de simples aritmética. Num ponto, multiplicam-se sensações com a simples conexão entre dois seres. E quanto mais intensa, enraizada e profunda, melhor a eficácia...



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



O Ósculo resultou de uma reflexão imponentemente introspectiva e segura, muito conhecida e pregada pelo próprio na busca e exploração de uma cor.


Dizia ele:

A distância entre galáxias, entre planetas e estrelas, ou simplesmente entre todos os astros, é equivalente à distância entre os humanos: existe uma força gravitacional que os separa. É provisoriamente certo que o Universo está em expansão, com um espectro a tender para o escarlate da longevidade. É preciso encontrar o violeta da proximidade.”



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



E ao processo geométrico da sua invenção, deu-lhe o nome homenageativo de Osculação; o contacto entre duas superfícies que se interessam; o brotar de vida pela relação dos elementos conjugados em complexos biológicos potencialmente perfeitos pela evolução contínua...



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



Somente na entrada de um Outono, com a necessidade de contrariar “a queda”, a fértil ideia primaveril do Ósculo insurgiu-se para acalmar a longevidade escarlate dos homens; pois que, ao longo dos anos, iam escasseando os ósculos sentimentais; de beijos verdadeiros no desejo e honestos na intenção.



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Mundo!...



E o Beijo começou a desviar-se do seu rumo: deu-se a coisificação do Beijo. Beijos maus, a sua comercialização e beijos falsos intensificaram-se, não só pelo aumento quantitativo da sua utilização, mas na qualidade dos objectivos épicos do processo de Osculação...



... Tarefa infrutífera do Ósculo: beijar o Mundo!...



De tanto deambular pelo Mundo, o Ósculo desistiu espiritualmente – sendo-lhe impossível interromper-se fisicamente -, porque ninguém conseguia ver o beijo. O homem havia transformado e/ou trocado a sua cura, ou, tratamento, pela doença. Ósculo iniciou um processo, mas incompleto por um sentido...



... Tarefa ingrata do Ósculo: beijar o Mundo!...



Mas foi num dia de Outono em forma de intenção primaveril que ele se ergueu novamente. “A queda” iniciou-se verdadeiramente com um encontro.


Concentrou os esforços...


Ósculo nunca se tinha dado a si próprio ao seu processo. E um Ser  houve que lhe despertou a vontade de ser aquilo para que se criou. Um Ser que fez criar mais um emblema na Tabela para o elemento escuro: o Beijo, de número atómico inesgotável, mas de peso limitado na balança existencial; o elemento Zero (0)...


Ósculo viu o Ser e fez-se oscular... e o beijo pôde Ser visto...



... Tarefa árdua do Ósculo: beijar o Ser!...

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