domingo, 30 de junho de 2013

Tennessee Claflin, uma sufragista em Monserrate

FERNANDO MORAIS GOMES

We hope the day will soon come when every girl will be a member of a great Union of Unmarried Women, pledged to refuse an offer of marriage from any man who is not an advocate of their emancipation. 
Tennessee Claflin





Tennessee Celeste Claflin, Lady Cook, segunda esposa de Francis Cook e Viscondessa de Monserrate, nascida em 1843, foi uma sufragista americana e uma das primeiras mulheres a abrir uma firma de correctores em Wall Street. Empenhada no movimento sufragista, foi igualmente um dos rostos pela legalização da prostituição nos Estados Unidos.

Nascida em Homer, no Ohio, filha dum estalajadeiro de reputação duvidosa, cedo teve de trabalhar como médium para auxiliar a família. Aos 22 anos conheceu o milionário Cornelius Vanderbilt, com quem terá estado para casar. Depois da morte deste, em 1877, recebeu 100 milhões de dólares por ter ajudado alguns dos herdeiros a receber a sua parte, e, rica, partiu para Inglaterra, com um pequeno exército de criados. Aí casou com um jogador, John Bortels, a quem acabou por pagar para se divorciar, e em 15 de Outubro de 1885 em segundas núpcias com Sir Francis Cook, já visconde de Monserrate. Para ele, por ter impulsionado o apoio a artistas na londrina Alexandra House, a rainha Vitória criou-lhe o título de baronete Cook, título que Tennessee igualmente usou durante os 16 anos que foi casada com Francis.

Em Fevereiro de 1870, em Nova Iorque, abriu com a irmã Victoria Woodhull a firma de correctores Woodhull, Claflin & Co, em 44 Broad Street, aventurando-se num universo de homens, o que foi uma pedrada no charco. ONew York Sun anunciou o caso com o título ‘Petticoats Among The Bovine and Ursine Animals.’, tendo ambas ganho a alcunha de The Bewitching Brokers e Queens of Finance.

A firma não vingou, e dedicaram-se a um jornal feminista e radical, o Woodhull & Claflin’s Weekly, onde temas como o aborto, as doenças sexuais ou a prostituição eram abertamente discutidas, o qual durou 6 anos, mais do que o habitual em jornais nesse tempo, tendo chegado a tirar-se 20.000 exemplares. Em 20 de Dezembro de 1871 foi nesse jornal que se imprimiu a primeira versão em inglês do  Manifesto Comunista, de Karl Marx.




Como resultado do apelo de Victoria ao Comité Judicial da Câmara dos Representantes para concessão de votos para as mulheres, junto com Susan B. Anthony e Lucretia Mott, participou na convenção sufragista, apesar da sua visão libertária sobre costumes e a sexualidade ser considerada por estas como demasiado ousada. Tennessee concorreu para o Congresso dos Estados Unidos pelo Estado de Nova Iorque, tendo igualmente defendido que as mulheres cumprissem serviço militar, e chegou a ser eleita coronel de um “colorido” regimento da Guarda Nacional. A irmã, Victoria, foi a primeira mulher a candidatar-se a Presidente dos Estados Unidos (imagem acima). Em 1871, Tennesse, ou Tennie, como gostava de ser tratada, escreveu Constitutional equality a right of woman.

                                 Caricatura de Victoria e Tennessee


O casamento com Francis Cook foi infeliz, embora nas deslocações a Portugal predominasse do casal uma visão aristocrática e filantrópica por parte dos locais. Cook morreu em 1901 e Tennie a 18 de Janeiro de 1923, com 77 anos, em casa da neta, Lady Utica Celeste Beecham, em Inglaterra, sem testamento.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

O meu amigo Valdemar

JOÃO RODIL


Para quem conhece Sintra, é provável que me conheça. Ou porque me viu passar, gingando pelos carris ao ritmo dos pássaros, ou porque ouviu falar de mim entre as nódoas da memória de um postal antigo.

Chamo-me Eléctrico e nasci no início do século passado. Sou velho, portanto, e começo a ficar cansado. Hoje só passeio entre a Estefânia e a Praia das Maçãs quando o tempo e a vontade dos homens me permitem. E no chiar do freio, na turbulência suave do aço, vou vivendo aos empurrões na saudade de outros tempos.

Corri anos da Vila de Sintra à Vila Nova da Praia das Maçãs. E lá pelos anos trinta, cheguei às Azenhas do Mar, com vinho ramisco a correr no chafariz do Arção e tudo. Até à década de setenta, transportei gente e emoções, fui cartão de visita para turistas e a alegria das crianças. Depois… fecharam-me num barracão da Ribeira.

E quando já pensava que aquele seria o meu túmulo, veio o desejo dos homens e das mulheres da terra que me quiseram ressuscitar.

A todos amo e quero bem, pelo esforço e fé que em mim depositaram. Mas um houve que permanece aconchegado no meu coração: o meu amigo Valdemar.

Já morreu, o meu amigo, aquele amigo que viveu a recordar-me, a lembrar as pessoas que eu estava arrumado num barracão, a pedir-lhes indignado que me libertassem.

Hoje, e sempre, serei eu a lembrá-lo às gentes. Hoje, a minha casa chama-se Complexo Valdemar Alves. Amanhã, espero que concretizem o sonho deste meu amigo. Ver-me a rodar em todo o meu antigo percurso, a transportar sorrisos de Sintra ao litoral.

Imaculado

ANTÓNIO LUÍS LOPES












Querem que eu pague aquilo que roubaram,
Querem que eu guarde o grito apetecido,
Querem que eu fale o que imensos calaram
Querem que eu morra antes de ter nascido

Querem que eu coma o pão que o Diabo
Arrastou na lama do seu imenso cio,
Querem que eu seja de mim próprio escravo
Querem que eu rebente de calor ao frio

Querem ver-me alegre no meu funeral,
querem meu vazio para o poder encher,
querem convencer-me que o amor faz mal
e que do chicote só virá prazer

Querem que eu aceite ser actor de mim
E representar tudo o que detesto,
Querem começar agora pelo fim,
Com minhas virtudes provar que não presto

Querem tudo isso e muito mais que dê
Para reduzir-me ao pó que vão soprar
Querem que eu responda sem saber ao quê
Mas respondo sempre para não falhar…


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Nós "reaccionários" nos confessamos

RENATO EPIFÂNIO

É sempre constrangedor pormo-nos do mesmo lado da barricada de François Hollande, um dos maiores bluffs políticos dos últimos tempos. Mas, no seu recente diferendo com o nosso “compatriota” Durão Barroso, somos obrigados a fazê-lo, com toda a convicção.

Recordemos, sucintamente, os termos do diferendo: havendo, em cima da mesa, uma hipótese de acordo de livre comércio entre o espaço europeu e o espaço norte-americano, Hollande reclamou, contra Durão Barroso, uma “excepção para os produtos culturais”.

Como se sabe, não é esse o único entrave ao acordo de livre comércio, mas esse já seria suficiente para o travar de vez. Sabendo disso, Durão Barroso, formado na velha escola do esquerdismo primário, sabe usar as palavras que, retoricamente, mais doem: e nada mais dói a um homem de “esquerda”, como Hollande gosta de parecer, do que ser acusado publicamente de “reaccionário”.

Perante tal palavra “maldita”, há muita gente que fica confundida. Por isso, importa falar claro, usando até outra palavra igualmente “maldita”: proteccionismo. Sim, do que se trata é disso: de proteger a cultura europeia, melhor dito, as diversas culturas europeias, perante a força avassaladora da cultura pretensamente universal de matriz norte-americana.

Da parte do “revolucionário” Durão Barroso, de resto, já nada surpreende. Nem sequer nos espantaremos se, daqui a algum tempo, anunciar, com toda a pompa, a sua candidatura à Presidência da República. Acreditamos até que ele possa ganhar. Perante um povo que, de há muito, deixou de valorizar a sua cultura (para não parecer “reaccionário”), Durão Barroso será, decerto, o Presidente da República que melhor o representará. A menos que, entretanto, acordemos…