quarta-feira, 12 de março de 2014

A Sinfonia dos Pássaros

FERNANDO MORAIS GOMES

Está a chegar, despertadas, as Criaturas da Mata anunciam a sua presença, sinos do submundo tocam, arautos da cor e clorofila, despertando o perfume nas flores. Tonitruante, toda a nação dos pássaros toca a rebate, comandada por zelosas andorinhas, voltadas do Grande Sul. Depois do Branco Inverno partir para o sono de várias luas na gruta-ventre, exércitos de borboletas libertinas invadem os ares em  sagração, poisando em pétalas redentoras, bafejadas por raios generosos. Poetas estremunhados abandonam os invernosos esconsos, bebendo Luz e respirando jasmim, na senda da Iniciação Multicolor. É o Começo.

Ostara chama a reunir, gamos e colibris, crisântemos e girinos, libelinhas e lagartos, todo o mundo do silêncio convocado pelas forças da Criação, em noite de Equinócio. No bosque da Cynthia Imortal, lá onde entre oceano e fortalezas homens ergueram templos à Floresta-Mãe, reúnem em assembleia elfos e centauros, como sempre, desde a noite dos tempos, a desenhar um anel de luz e em prece às chuvas, sémen da vida e seiva de renovação. No silêncio cúmplice da noite, a sagrada chama crepita no altar, ao lado, a revigorante poção dum druídico caldeirão sacia ressequidos lábios, bafejados por novo renascimento. Toda a Floresta comparece, e os dias escuros partem, a terra alberga sementes, o mundo renova a sua Luz.

No altar sagrado, pejado de grinaldas e ovos, grãos e raízes, o Coelho Pontífice guarda, sentinela, atento às entranhas de Cynthia, perturbada e perturbante. De mãos dadas, os convocados, em adoração à deusa liberta do longo  Inverno, entregam-se ao ritual das fragrâncias, viajando entre ramos e folhas, sulcando o orvalho vitamínico e puro. Toda a Floresta desvairadamente celebra, num festim de castanhas, pinheiros, verduras e verdes límpidos.

Terráqueos da montanha colocam flores no altar, no caldeirão, água pura e flores esperam o momento da oferta, enquanto na clareira, iluminada pela argêntea Lua, incenso e velas se acendem em acordo com os elementos. Rasteiros e vindos de Cynthia, assustados terráqueos tocam nas plantas, em busca do milagre da vida, prometendo amizade e cumprindo o círculo, para depois partirem por algumas luas, ao encontro de Beltane, Litha mais tarde celebrará o apogeu de Ostara e o seu declínio, para os entes da floresta e desde a noite dos tempos, sinal sabido da chegada de Samhein e Yule, e com eles das trevas da gruta em novo apagar de fogueiras, fugidas do eólico norte e da escuridão da tundra uivante.

Nas aldeias de Cynthia, as terras pedem sementes, e as árvores folhagens, chilreios em beirados prometem fertilidade, logo partirão desbravando céus e mares, noites e dias, até que o grande astro de novo os traga. Como sempre, Ostara protegerá Cynthia, antes a fez rude e pedregosa, apoteose do verde agora.

Toda a noite um fogo redentor aqueceu os terráqueos, com Pã no carvalho chilreando a flauta, logo em melódico coro acompanhado por rouxinóis e toutinegras. Ao amanhecer, cristalina e espelhada em frescos lagos, a Primavera reinará esplendorosa, com o seu ceptro de azevinho e coelhos nervosos saltitando pela floresta. Os avaros dias do longo Inverno crescerão generosos, frutos e plantas brotarão, suculentos, cardumes cruzarão os rios, serpenteantes patos se banharão nos rios atrás de irrequietas rãs.

No ano seguinte e em todos a seguir, assim será até ao fim dos tempos e até que na Valhalha Odin junte os guerreiros,  esperando o advento do Ragnarok. Cynthia verá choros, risos, lutos, borrascas, milagres, e sempre no tempo em que o dia for igual à noite, Ostara voltará, fugaz pitonisa a espalhar a redentora Luz. 

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