terça-feira, 29 de abril de 2014

Nem mesmo de graça?

JOÃO CACHADO

Mais uma vez, na edição do passado dia 11, o Jornal de Sintra lembrava que, todos os domingos de manhã, os munícipes sintrenses gozam da vantagem de entrada gratuita nos monumentos, parques e jardins sob administração da Parques de Sintra Monte da Lua (PSML). Desde logo me tendo congratulado com a atitude de divulgação, aproveitaria agora o ensejo do registo para partilhar algumas considerações que me surgem a propósito.

Primeiramente, para que conste, cumpre dar conta de um conflito de interesse. É que, cá por casa, somos sistemáticos beneficiários do regime dominical de acesso livre a lugares tão especiais como o Parque e Palácio da Pena, os jardins e palacete de Monserrate, Castelo dos Mouros, Capuchos, Palácio de Queluz, Palácio da Vila…

E fazemo-lo com duplo proveito, por um lado, para inquestionável enriquecimento espiritual, por outro, nada despiciendo nestes difíceis tempos de mínguas de toda a ordem, resultando na bem material e manifesta poupança de umas centenas de euros por ano porque, de facto, lá vamos com bastante frequência.

Pois bem, precisamente durante as manhãs de domingo em que, com a família e amigos, temos aproveitado a oportunidade do acesso gratuito, fui-me apercebendo de que, se vantagens tão evidentes podem ser partilhadas por todos os munícipes, afinal, aparente e empiricamente, poucos serão aqueles que o fazem.             

Contudo, não passava de uma pessoal e difusa impressão. Valeria a pena investir na demonstração cabal que só a pertinência dos números pode avalizar? Seria possível chegar a alguma conclusão e, a partir da mesma, promover alguma estratégia de motivação para o aproveitamento mais generalizado das visitas gratuitas?

Números inequívocos

Porque a resposta só poderia ser afirmativa, tendo procurado e colhido os dados imprescindíveis, imediatamente, avanço para a estatística. Relativamente à quantidade de visitantes dos espaços sob gestão da PSML, durante o ano de 2013, os números estão disponíveis em fontes distintas, tais como a própria PSML e Direcção Geral do Património Cultural. Começarei por apresentar resultados globais, desagregados pelas duas entidades em referência.

Assim, os parques e monumentos sob gestão da DGPC registaram um total de 2.563.059 visitas e os da PSML 1.705.724. Destas últimas, cerca de 90% equivaliam a estrangeiros. É a partir desta primeira premissa que poderei prosseguir até à informação mais esmiuçada que interessa pôr em comum.

Estamos em posição de concluir que apenas 10% dos visitantes dos parques e monumentos da PSML, grosso modo 170.000, eram de nacionalidade portuguesa, podendo acrescentar que, nos termos do quadro seguinte, dentre estes visitantes nacionais, apenas 22.642, ou seja, uma percentagem geral de 13,3 %, correspondia a munícipes de Sintra que aproveitaram o regime de entrada gratuita. 

 Parque/Monumento

 Número de visitantes munícipes em 2013

 Parque e Palácio Pena

 6.792 -  média*130/domingo

 Sintra (Palácio da Vila)

 2.009 -       »        38/        » 

 Palácio de Queluz

 3.301 -       »        63/        »  

 Castelo dos Mouros

 3.539 -       »        68/        »

 Conv. Capuchos

1.288  -      »        24/        »

Monserrate

4.003  -      »        76/        »

Chalet da Condessa

1.710 -       »        32/        »

TOTAL

22.642  -      »      431/       »

*média aproximada, por defeito

O caso da Pena merece algum destaque. Tendo recebido um total de 787.163 visitantes, é o monumento mais visitado do país, ultrapassando o Mosteiro dos Jerónimos (que registou 722.758). Se aplicarmos a mesma taxa de 10%, 78.700 eram de nacionalidade portuguesa, 6.792 dos quais munícipes sintrenses visitantes dominicais e, neste caso, numa percentagem de 8,6 %, menor do que a geral acima referida.

Contra a desinformação

Sendo ainda possível fazer outras contas a partir dos números supra, nenhuns dos seus resultados, contudo, contradirão a irrefutavelmente baixa quantidade de cidadãos residentes no concelho de Sintra que aproveitam a nítida vantagem de que desfrutam. Na realidade concreta dos números, aquela minha impressão correspondia a uma situação cujos contornos são bem claros.

Ora bem, perante desafios tão fascinantes, porque não aparecem os munícipes nestes lugares, num dia como o domingo, em que tudo lhes é favorável? Ou muito me engano ou, haverá por aí muita informação corrompida e, eventualmente, até vozes apostadas em baralhar e desinformar potenciais interessados, acabando por prejudicar quem desejam proteger…

Assim sendo, vítimas de tal paradoxo, não será de admirar que muitas pessoas desistam de visitar aqueles locais, ignorando as condições vantajosas de que podem beneficiar. Ou seja, leram, ouviram dizer que é tudo muito caro e quedam-se numa inércia que lhes é totalmente nociva.

Uns parágrafos acima, referia eu que o conhecimento dos números poderia conduzir a uma estratégia de remediação da situação que, além dos excelentes materiais de divulgação da PSML, nomeadamente, o site tão apelativo, pudesse contribuir para ainda levar mais longe a informação em apreço.

Porque há muitos cidadãos que não acedem à internet e, igualmente, tendo em conta o elevadíssimo nível de iliteracia que os atinge, parece-me impor-se a necessidade de intermediar as mensagens através das associações culturais, recreativas e desportivas, procurando o concurso dos párocos, para o efeito recorrendo, por exemplo, a simples cartazes, bem concebidos, elucidativos, com mensagens curtas e incisivas.

Num concelho com as características socioculturais do nosso, ainda há muito lugar para media congéneres. Urge sensibilizar os pais, avós e outros adultos de referência das crianças e jovens. Alguns deles, convenientemente esclarecidos, poderão tomar a atitude que mais os favorece neste domínio.

Claro que, com os pés bem assentes na terra, bem sabemos que sempre haverá quem não esteja minimamente interessado em visitar tais lugares. Têm as suas alternativas? Pois muito bem. Esses, malgrado a melhor vontade dos proponentes, infelizmente, jamais reclamarão pela possibilidade de qualquer modalidade de acesso gratuito.

Estatuto sólido e credível

Naturalmente, vem a propósito considerar que a Parques de Sintra Monte da Lua, não recebe um cêntimo do Orçamento Geral do Estado. Assim sendo, apesar de se tratar de uma entidade à qual portugueses em geral e sintrenses em particular tanto devem, nada custa aos contribuintes! Num país onde, infelizmente, tanta razão de queixa existe e subsiste no domínio do património público visitável, é um privilégio imenso poder contar com uma entidade que, em Sintra, é absolutamente modelar.

1 comentário:

  1. O facto da gratuitidade aos munícipes de Sintra faz todo o sentido já que somos os primeiros a sofrer com os preços - chego a pagar por um pastel de nata 1,50... o transito e as inconveniências do nº de visitantes... mas como vi no Alhanbra em Granada - preços estipulados através da origem dos visitantes - quanto mais perto mais barato - gratuito para munícipes e mais caro para quem vem de outros continentes e com grande variedade entre estes dois extremos- Devia ser dada a possibilidade aos portugueses de visitar estes espaços fabulosos através de um desconto ou uma vez por mês possibilitar a entrada gratuita até às 13. Parece-me uma boa ideia. E não seria medida por causa da crise seria para sempre.

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