domingo, 1 de junho de 2014

Miguel da Rosa e Silva (1743-1809), professor régio de gramática latina na vila de Sintra


CARLOS MANIQUE DA SILVA
 
Miguel da Rosa e Silva nasce na freguesia de S. Martinho de Sintra em 29 de setembro de 1743[1]. Nessa mesma vila residiria até ao seu falecimento (14 de maio de 1809), sendo, ademais, sepultado na Igreja da Santa Casa da Misericórdia[2]. Pelas notas aditadas ao seu registo de óbito, sabemos que era solteiro e que habitava na antiga rua da Meca, contígua ao Paço Real. 
Desconhecemos pormenores a respeito da condição social dos ascendentes de Miguel da Rosa e Silva, constatando-se, ainda, que os seus primeiros anos de vida permanecem na obscuridade. Na verdade, é sobretudo a partir da idade adulta, designadamente depois dos 30 anos, que as fontes de arquivo permitem reconstituir a factualidade do seu percurso (pessoal e profissional).  
Dadas as enunciadas limitações, a nossa análise situar-se-á a partir de 1773, precisamente o ano em que Miguel da Rosa e Silva é nomeado professor régio de gramática latina na vila de Sintra (Comarca de Torres Vedras). De resto, a sua nomeação consta da listagem de professores elaborada pelo governo do Marquês de Pombal, despachada em 10 de novembro do citado ano, após consulta da Real Mesa Censória[3]. 
No quadro da reforma dos “estudos menores”, implementada por Pombal através da Carta de Lei de 6 de novembro de 1772, são criados no Reino de Portugal 837 lugares para professores de filosofia racional, retórica, língua grega, gramática latina, bem como para mestres de ler, escrever e contar; verificou-se, assim, a necessidade de recrutar um conjunto muito significativo de docentes. 
A localização no Arquivo Nacional da Torre do Tombo do Livro 1.º dos Exames de Gramática Latina feitos nesta Secretaria da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, permitiu-nos saber que Miguel da Rosa e Silva, na qualidade de opositor ao magistério, foi examinado pelos professores António Félix Mendes e Roberto Nunes da Costa, corria o dia 28 de maio de 1773. A avaliação foi a seguinte: sabe muito bem gramática: traduziu os Autores com desembaraço, e bom Português, e não verteu mal o Português em Latim[4]
 Nomeado titular do lugar por um período de três anos, com um vencimento anual de 100$000 réis, Miguel da Rosa e Silva viria a ser confirmado por resoluções de 6 de março de 1777 e de 16 de agosto de 1779. 
A partir de 1781, a vida de Miguel da Rosa e Silva conhece um novo e prestigiado caminho. Na verdade, para além das funções desempenhadas no âmbito do magistério, passa a integrar os quadros sociais da Santa Casa da Misericórdia de Sintra
 A Lei de 28 de junho de 1759 concedeu a todos os professores régios “privilégios de nobres”. Gozando desse privilégio, mas não o invocando, Miguel da Rosa e Silva, em 1 de julho de 1780, dirigiu uma petição à Mesa da Misericórdia de Sintra no sentido de ser aceite na Irmandade. Regulamentada nos termos do Compromisso, a entrada de novos elementos na Misericórdia constituía um processo algo moroso, sendo exigido que os Irmãos que neste número houverem de ser recebidos fossem homens de boa consciência, e fama, e tementes a Deus, modestos, caritativos, e humildes. Além do mais, eram impostas sete condições cumulativas, tanto para admitir Irmãos nobres como para admitir Irmãos oficiais (de menor condição, que exerciam um ofício mecânico), a saber:
a)      Pureza de sangue;
b)      Livre de infâmia;
c)      De idade conveniente (isto é, maior de 25 anos no caso de ser solteiro);
d)     Que não servisse a instituição por salário;
e)      Que tivesse “tenda” se fosse de ofício mecânico;
f)       De bom entendimento e saber [ler e escrever];
g)  Abastado de maneira a que não caísse em necessidade e que sobre ele não houvesse suspeita de se aproveitar.
Procurando dar despacho à petição apresentada, a Mesa da Misericórdia designou, na forma estatuída, dois Irmãos para procederem a averiguações sobre o requerente; o resultado, expresso em 30 de janeiro de 1781, foi o seguinte:
Senhor Provedor e mais Senhores:
Pretende Miguel da Rosa e Silva, professor régio de gramática latina, ser admitido por Irmão desta Santa Casa, e informando-nos das suas qualidades com exata diligência e segundo o expresso no capítulo 1.º § 3.º do Compromisso, achamos que nem no suplicante nem nos seus ascendentes se verificam as condições citadas no mesmo capítulo, sem que em alguma delas haja a menor dúvida que repugne a sua aceitação; é, outrossim, o suplicante sujeito capaz de ser admitido no número dos Irmãos nobres, por que o emprego que está exercendo o isenta de toda a mecânica, não só em razão do mesmo emprego, por ser arte liberal, como também por especial mercê de Sua Majestade concedida por uma lei a todos os professores régios, como o suplicante é; por todas as mais virtudes que nele se conhecem, e são a todos notórias, se faz digno da mercê que suplica.      
A aceitação na Misericórdia de Sintra ocorreu em 4 de março de 1781, na qualidade de Irmão nobre, sendo, para o efeito, determinante o privilégio de nobreza concedido por Pombal. 
O prestígio de Miguel da Rosa e Silva e a confiança que inspirou podem ser aferidos através dos cargos que desempenhou na Misericórdia, desde o ano em que foi admitido.

Ano
Cargo
1781-1782
Conselheiro nobre
1782-1783
Escrivão
1786-1787
Escrivão
1789-1790
Escrivão
1792-1793
Escrivão
1794-1795
Tesoureiro
1795-1796
Tesoureiro
1797-1798
Tesoureiro
1804-1805
Definidor
1805-1806
Conselheiro nobre
1806-1807
Definidor
1808-1809
Definidor

Sem nunca ter alcançado a hierarquia máxima (provedor), Miguel da Rosa e Silva desempenhou nos primeiros anos a importante função de escrivão (segundo nível da hierarquia, a par de tesoureiro), passando depois a ocupar-se de assuntos de natureza financeira (tesoureiro e definidor). Este último dado constitui um bom indicador no respeitante aos seus recursos materiais, uma vez que, por via de regra, a gestão financeira era entregue a Irmãos com posses suficientes para estarem acima de qualquer suspeita. De resto, a pesquisa a que procedemos no Cartório Notarial de Sintra confirmou de alguma maneira essa ideia. Na verdade, em novembro de 1801, Miguel da Rosa e Silva adquiriu por escritura pública o domínio direto imposto numa “morada de casas” na vila de Sintra (na rua da Meca?), por 300 réis anuais de foro; tal aquisição, conforme foi deixado expresso, destinava-se a habitação. Por outro lado, passado um ano, encontramos Miguel da Rosa e Silva, enquanto senhorio direto, a aforar duas terras em Morelinho; justamente o lugar onde os seus ascendentes residiram. 
Ao fechar este texto, importa chamar a atenção para a necessidade de biografar outros educadores do século xviii, no sentido de constituir um “arquivo de autores”. A este respeito, deve ser referencial a obra dirigida por António Nóvoa (Educadores Portugueses, Edições ASA, 2003), a qual se reporta aos séculos xix e xx.  
     

[1] IAN/TT, Registos paroquiais da freguesia de S. Martinho de Sintra, Livro 2 de Batizados, fl. 62 v.

[2] Idem, Livro 4 de Óbitos, fl. 3 v.

[3] Cf. Joaquim Ferreira Gomes, Duas listas de professores: uma elaborada pelo governo do Marquês de Pombal e outra pelo de D. Maria I, Revista História das Ideias, 1982, vol. IV, p. 46.


[4] IAN/TT, Real Mesa Censória, Livro 23, fl. 3.

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