quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Escrutínio, a quanto obrigas



JOÃO CACHADO
Estamos quase a um ano da data das últimas eleições locais, na sequência das quais foi empossado o novo executivo autárquico presidido pelo Dr. Basílio Horta. Sem que possa dizer-se que só agora começou a enfrentar os imensos desafios do concelho, a verdade é que, tão pouco tempo passado, já há quem apresente sinais de disposição para a avaliação do trabalho desenvolvido.

Por mais tentadora que pareça, a hipótese de avaliação no termo do primeiro ciclo anual de um mandato quatro vezes mais abrangente, afigura-se-me algo desajustada, quando não, mesmo inadvertida. Tal não significa que, por outro lado, não considere pertinente coisa diferente, concretizável em qualquer momento do mandato, qual seja o escrutínio da actividade dos edis.

Refiro-me ao assíduo controlo dos cidadãos e, esse sim, é manifestamente desejável na medida em que, ao processar-se, prova como é real a cidadania e a participação activa na vida da comunidade. Falo, se quiserem, de uma atitude que vai contribuindo para a avaliação global que, individual e colectivamente, se traduzirá num voto em determinado sentido, depois de os eleitos terem cumprido a tarefa que se propuseram concretizar.

Assim sendo, então, aquela vontade de avaliação referida no parágrafo inicial deverá ser lida e interpretada como sinal do escrutínio informal e implícito que vai tendo lugar. Umas vezes, na página impressa de um jornal local, noutras, através de desabafos nas redes sociais, a avaliação, afinal, é peça em permanente construção. Tão somente na sede do concelho, no que se relaciona com sinais de escrutínio/avaliação, que a ninguém têm passado desapercebidos, encontraremos uma meia dúzia de casos que, entretanto, de facto e inequivocamente, têm de ser esclarecidos e resolvidos com a urgência que requerem.

Estacionamento

No entanto, para efeito de confirmação destas considerações, permitir-me-ia lembrar apenas duas situações, de dimensão e características bem diferentes, que andam na boca de todos. Começarei pela questão do estacionamento, absolutamente estruturante e tão sistémica que pressupõe, não só a mais íntima articulação com a renovada perspectiva da uma rede integrada de transportes públicos, com diferentes e inovadoras valências, mas também novas e corajosas soluções disciplinadoras dos fluxos de trânsito.

Tenhamos em consideração que estão apontadas e são pacíficas soluções como a dos parques periféricos, que vigoram em tantos lugares congéneres, em articulação com parques de proximidade, pequenas bolsas a requalificar, bem como a instalação de silo vertical satisfazendo as restritas necessidades dos hoteleiros do centro histórico.

Nestes termos, o que poderá o executivo camarário anunciar no sentido de tranquilizar a comunidade quanto à resolução de situações tão embaraçosas como a recém-vivida, durante o pico turístico, com o extraordinário afluxo de viaturas demandando os emblemáticos pontos de interesse de Sintra incluindo os altos da Serra? De facto, não parece possível adiar mais as medidas e, portanto, o seu anúncio, sustentado por cronogramas tão realistas como  exequíveis.

Heliodoro Salgado

Seguidamente, um eixo de permanente controvérsia. Encerrar ao trânsito e transformar parte desta artéria em zona pedonal, com o objectivo de animar o comércio local e proporcionar aos cidadãos um espaço de encontro, de convívio e de animação, resultou num projecto infelizmente condenado ao insucesso, cujas vertentes estética e técnica, ao longo de treze anos, têm sido objecto das mais diversas e frequentes polémicas.

Demonstrando que assim é, o espaço transformou-se em abusivo parque de estacionamento e numa zona de travessia de veículos particulares e comerciais que, constantemente, desrespeitam as regras vigentes. Pavimento irregular e impermeabilização são apenas duas das suas muitas características negativas, susceptíveis de causarem acidentes porque põem em causa a segurança dos transeuntes.

De igual modo, também no que se refere à parte da via por onde circula todo o tipo de veículos ligeiros e pesados, de passageiros e de mercadorias, as queixas não podem ser mais pertinentes já que, deficientemente aplicada, a calçada de paralelepípedo apresenta tais ondulações que, constantemente, chassis e cárteres faíscam quando batem no solo perante a estupefacção de quem assiste, sempre à espera de acidente ou incidente mais ou menos grave.

Conjugada com esta situação, que tanta insatisfação tem gerado, outra, mais recente, avulta de modo inequívoco. Reporto-me à questão da ponte metálica pedonal que, tendo sido removida para beneficiação, nunca mais foi reposta. Trata-se de um dispositivo importantíssimo, condição sine qua non para a practicabilidade da Heliodoro Salgado cuja ausência impede a ligação entre os bairros da Estefânea e da Portela.

Está em causa a possibilidade de fácil, rápido e expedito acesso dos espectadores dos eventos no Centro Cultural Olga Cadaval que, não fosse este impedimento, poderiam estacionar as suas viaturas no parque adjacente ao edifício do Departamento do Urbanismo. Naturalmente, cumpre saber se, em definitivo, a estrutura em apreço será ou não reposta.

Igual e complementarmente, se tem ouvido dizer que a Câmara pretenderá prolongar a linha do eléctrico –  que, actualmente, estaciona junto à Vila Alda – até à estação terminal da CP e à Vila Velha. Mais se diz que é na perspectiva de tal prolongamento, que os trabalhos de reparação dos pavimentos da Heliodoro Salgado ainda não se concretizaram uma vez que o eléctrico circulará precisamente em ambos os troços da artéria. Será assim?

Em conclusão, acerca dos seus próprios propósitos, só a Câmara Municipal de Sintra pode, só ela deve esclarecer, seja no que se refere ao compósito problema do estacionamento seja no respeitante ao fundamental eixo viário e pedonal e assuntos relacionáveis supra referidos.  

Não sendo admissível pensar em avaliações no termo do curto período de apenas um ano de trabalho da actual Vereação, afigura-se da máxima conveniência que, constantemente sujeita e objecto do escrutínio dos munícipes, a Câmara se recuse alimentar um statu quo caracterizado pela prática do diz que diz.

Escrutínio, a quanto obrigas? – Naturalmente, à partilha da informação, na prática de uma cultura do exercício do Poder que é indispensável à qualidade de vida.

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