sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Quero ser feliz


BÁRBARA JORDÃO RADHNER

Há quem se queixe desta crise; Compreendo...

Gasto em média setenta euros de sete em sete dias só em legumes e fruta para encher o papo dos periquitos que vivem dentro do meu ninho; fora o resto mas o resto que fique fora deste (con)texto. Escrevo não para reclamar mas para relembrar que a crise é uma situação em tom de bola de sabão junto ao riacho real que invade a minha alma, agora. Quando escolho olhar o dia longe da densidade em que se enquadram as notícias da caixa quadrada que opto por desligar e calar com o pé e com a mão, escolho-me. Quero ser feliz; Ponto.

Procuro em mim a capacidade de renovação; o que me move? Toco-o.

Tenho aulas de piano a troco de um valente abraço, umas moedas e sobretudo muita atenção. Se é tempo de ficar por casa, fico, mas n'outra condição. Escolho cada pensamento que me invade como uma frenética dona de casa escolhe o pano com que lava o chão.

Quero ser feliz, já disse;Ponto!!!

A minha vizinha recicla um pseudo iPad,iPode,iPede, fico com ele sem qualquer pinga de vergonha, encaixo-o no pc e encho-o com músicas novas, levo-as comigo, junto ao coração. Não tenho medo do escuro, não tenho medo da crise, recrio-me em cada canção e quanto mais procuro na música uma meditação mais entendo que a minha alma simples se move e comove não com o enrodilhado complicado mas com aquilo que se trauteia gentilmente quando se está apaixonado. É tão simples ser feliz; basta escolher; descomprimir.

Aconselho, para ouvir:


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Xaimix, o último dos saltimbancos


PAULO ESCOTO

Sintrense, fotojornalista e animador sócio-cultural; formador e coordenador de estágio do IPF;colaborador da revista Internazionale e do Jornal de Sintra; presidente da Associação Pranima;sócio fundador da Alagamares-Associação Cultural

Fazem parte do imaginário da minha infância os espectáculos de ilusionismo que o Xaimix fazia na esplanada do café do Alcino, Caves de S. Martinho em Galamares, nas décadas de 60 e 70. Era quase sempre no período do verão que o nosso amigo Xaimix, apresentava os seus divertidos truques de magia.
Lembro-me que, era um grande acontecimento na aldeia as apresentações de ilusionismo. Das crianças aos mais idosos, todos se arranjavam para ir assistir ao “Grande Espectáculo de Magia”,  e assim sucedia-se ano após ano e geração após geração.
Xaimix, nascido no meio circense, acompanhou desde muito miúdo seu pai, também ilusionista e artista de circo. Com ele iniciou a sua vida artística, tendo posteriormente, já na juventude, trabalhado em vários circos, como ilusionista, trapezista e palhaço.
Na sua vida artística, e até aos nossos dias, Xaimix, andou sempre com as suas “malas mágicas” ás costas, percorrendo ao longo de mais de 50 anos, as aldeias e vilas de norte a sul de Portugal, mantendo sempre o estilo próprio como ilusionista, criado no inicio da sua carreira.
Xaimix, apesar de ser natural de Aveiras de Cima, sempre considerou a região de Sintra e em especial Galamares, como a sua terra. Andou por muitos lados do país a trabalhar, mas era a Galamares que regressava sempre. E isto aconteceu sempre ao longo da sua vida. Aqui teve quatros filhos e aqui terminou a sua vida. Trabalhou até aos seus últimos dias, na paixão da sua vida, que era o espectáculo de ilusionismo. Para mim o ciclo do encanto destes espectáculos, fechou-se quando no seu último ano, o levei varias vezes às colónias de ferias que organizava em Sintra, para que o Mestre Xaimix, apresentasse às crianças os encantos mágicos dos seus truques de ilusionismo, finalizando sempre com a explicação de um ou dois truques, para o delírio dos miúdos
Aí percebi que 40 anos depois de conhecer o artista Xaimix, o seu entusiasmo era o mesmo e o brilho de alegria e espanto nos olhos das crianças de agora, era o mesmo que senti no dia em que vi o seu primeiro espectáculo. 
Jaime António Pais Soares, de nome artístico, Xaimix, faleceu em Janeiro de 2007, em Galamares, com 70 anos de idade, e com ele morreu também o ultimo dos saltimbancos sintrenses.  
As palavras mágicas “Zás, Katrapás e Zás” usadas nos momentos cruciais dos truques, números de ilusionismo e telepatia, este ultimo como “Xaimix, o Homem do Cérebro Electrónico”, vão ficar na memória de todos aqueles que assistiram aos seus espectáculos, permitindo que a magia do Xaimix continue…!

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sobre a Associação dos Espeleólogos de Sintra

JOSÉ GABRIEL MENDES

A AES-Associação dos Espeleólogos de Sintra fez no passado dia 17 de Fevereiro, 37 anos de existência.
Na verdade a sua formação deu-se logo  a seguir à revolução em 1974. Após várias tentativas falhadas por questões processuais e  pelas vicissitudes dos tempos que então decorriam, veio  a formalizar a sua existência apenas em 1977.
A AES é uma Associação que tem por fim contribuir para o desenvolvimento da espeleologia e para a defesa e protecção dos bens naturais e espeleológicos do concelho e do País. Disso mesmo deu provas ao realizar mais de uma dúzia de eventos nacionais de grande importância e expressão, de que se destacam os cinco ENES - Encontros Nacionais de Espeleologia de Sintra, as parcerias com a Unesco Portugal no Ano da Biodiversidade e Ano do Planeta Terra, a realização das duas Jornadas Quiropterianas - que envolveram a quase totalidade dos investigadores de morcegos em Portugal, o envolvimento decisivo na criação da Comissão Científica de Espeleologia da Federação Portuguesa da actividade e ainda a criação da unidade operacional CIR-Centro de Investigação da Regaleira.
A AES mantem  e promove o verdadeiro espirito associativo, hoje em dia tão raro. A sua noção de responsabilidade social, tem-na levado a percorrer escolas, centros educativos e museus, na demanda da divulgação científica e preocupação ambiental junto dos mais novos, mas também do público em geral. A AES é certamente um dos mais activos promotores nacionais para a desmistificação e conhecimento dos morcegos, mas também e não menos importante, um apoio imprescindível à investigação académica das 25 espécies existentes no continente.
Vamos continuar apostar no associativismo e no voluntariado, moldando-nos às novas realidades e comportamentos sociais, mas sempre fieis aos princípios subjacentes ao movimento associativo.
A Associação dos Espeleólogos de Sintra é por isso um orgulho pessoal, mas também para todos os sintrenses.   

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

No tempo em que eu fui acampar pela primeira vez para a Praia das Maçãs!

JOSÉ CARLOS SERRANO

Eu tinha para ai cinco anos, fui com o meu pai acampar, sozinhos, para a encosta da margem do rio na praia. Os meus tios emprestaram-nos a tenda. Era uma tenda “caseira”. A minha tia era costureira e fez a cobertura, a estrutura era em tubos galvanizados, com encaixes.
Um espetáculo, era grande, familiar!
Só o meu pai, para ir armar a tenda em tal sítio. Do lado de lá do rio a encosta tinha uns socalcos, grandes. Foi ai, com vista privilegiada, que ficámos. Não me lembro do trabalho que terá dado, acartar as tralhas todas dum lado para o outro, da praia, atravessar o areal. Sim, porque o meu pai levava de tudo, aquele velho ditado " quem vai pro mar avia-se em terra ".
Uma recordação do primeiro dia. Após o “estaminé” montado os meus tios voltaram, para trazer as ultimas coisas, nas quais uma garrafa de leite pro “menino”. Devo ter atravessado o rio ao colo, para lá, mas quando regressámos eu vinha ao colo num braço e na outra mão o meu pai levava a garrafa, daquelas da Vigor, de boca larga. Vida de pai!
Na travessia, já escuro, um pé escorregou e caímos, O meu pai serviu de ”amortecedor”. Primeiro para não me molhar e segundo para não partir a garrafa. Resumindo, ele molhou-se mas amorteceu a minha queda e não partiu a garrafa. É logico que, apesar de ter boa memória, quem contou a história foi o meu pai. Eu tinha 5 anos!
Foram tempos maravilhosos. O que um puto pode querer mais? Na praia, na beira do rio. Grandes “explorações” nas margens, à descoberta. Apanhar enguias, minúsculas, ou subir a margem do rio até á ponte de madeira que ligava a piscina à encosta contrária, onde existiam, na altura, os bungalows. Havia malta mais velha que entrava prá piscina, de borla, por ai. Ir com o meu pai para as rochas, quando ele ia apanhar mexilhões ou polvos.
Conheci, nessa altura, o Ti Zé banheiro, sabia tudo sobre a praia. Uma vida ali, na praia, pele torrada do sol, chapéu à marinheiro. Terá sido por essa altura que o Ribeirinho montou o bar. Ir ás rochas apanhar alguma “coisa”, sempre me cruzava ou com o Senhor Mário, outra pessoa que sabia muito das lides da pesca, ou com o “Piolho Elétrico”, tudo malta vivida e sábia da Praia das Maçãs.
A minha mãe não gostava de acampar, por isso nos primeiros dias, éramos só nós dois.
O estar sempre pela praia, à noite era ir ver o futebol de salão, o convívio com outras pessoas, o conhecer pessoas novas.
Recordo essa primeira aventura, de começar a acampar, como uma experiencia maravilhosa, para a vida!


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Os meus sentimentos são nómadas

JOÃO AFONSO AGUIAR










Os meus sentimentos
são nómadas,
e regressam sempre
aos meus momentos
únicos e felizes.

Errantes em equívocos,
ignotos e indolentes
vivem vários presentes…

Em tudo são parcos,
ávidos de alguma coisa
a que não podem voltar.

Não têm pátria nem tempos
e partem desses presentes
para ao passado regressar…
À infância
dos meus momentos
únicos e felizes.



Sintra, 10 de Fevereiro de 2014 
João P. Afonso Aguiar

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Sintra, novo movimento cívico, uma questão de Cultura



JOÃO CACHADO

“(…) não me serve de consolo constatar o que sempre soube: onde os interesses materiais vingarem como fim, o homem não será. É aterrador pensar, mas é a realidade: sem o dom poético, sem a simples capacidade de sermos maravilhados pelo vivo, a liberdade de consciência está condenada a definhar. Por mim e por vós, foi essa liberdade que fui defender (…)” [Maria Gabriela Llansol, jornal Público, reproduzido no Jornal de Sintra em 4.4.2008]

No domínio da cidadania activa, apesar de algo adormecida nos últimos tempos, a verdade é que motivos não faltam em Sintra, para que um forte movimento cívico acabe por mobilizar os cidadãos no sentido da defesa dos seus interesses, em sectores tão críticos como, por exemplo, transportes públicos, estacionamento em zonas críticas da sede do concelho bem como acesso a destinos turísticos cujo enquadramento ambiental é tão interessante e desejável como especialmente crítico.

Em momentos de impasse, como aquele que vivemos actualmente, é a própria História recente que se encarrega de nos recordar a pertinência daquelas palavras. Afinal, até nem é necessário dar especial trabalho à memória para ter presente que não há mais de treze anos, fez História um movimento cívico que atirou Sintra para a ribalta da comunicação social, tanto na imprensa, como na rádio e na televisão, ocupando espaço e tempo significativos nos noticiários e telejornais.

E, lembrando o evento, como não salientar a atitude de Maria Gabriela Llansol naquela altura? Se quem não a conheceu pessoalmente, não pode calcular como sabia preservar-se num mundo de descrição que não autorizava fosse minimamente desrespeitado, parece difícil entender como o seu envolvimento na luta contra a construção do parque pode ter sido tão empenhado, tão evidente, tão manifestamente público. 

É verdade que estava em curso um atentado ao património cultural de Sintra. É verdade que, para a Maria Gabriela, a Volta do Duche fazia parte de um especial património de entes muito importantes do seu acervo demiúrgico. Portanto, mesmo em projecto, já se adivinhava, e ela sabia que uma perda irreparável se insinuava. De tal modo a violência se fizera sentir que, apesar da sua proverbial reserva e de ter tecido à sua volta um casulo de grande resguardo, não hesitou.

Veio a público, acompanhou-nos numa jornada de esclarecimento no terreiro do Paço da Vila Velha. Escreveu um texto lindíssimo ao qual me sinto particularmente ligado porque mo leu, ao telefone, procurando opinião, antes de o enviar para o jornal “Público” que o publicou no dia 8 de Dezembro de 2001. Nesse seu escrito, de empenhado compromisso cívico, há momentos lapidares, como o da epígrafe, que lemos e relemos, aplicáveis a todos os tempos e lugares.

Com esta lembrança, além dos cidadãos anónimos, pretendo sensibilizar as mulheres e homens das Letras e das Artes de Sintra, os professores e os jovens. Para que, tal como Maria Gabriela Llansol, se sintam mobilizados para a luta em defesa de um estacionamento de qualidade, de transportes públicos eficazes, de acessos civilizados a todos os locais. 
Estas são as questões de cultura pelas quais surgem os movimentos cívicos. Parece que acontecem sem anúncio, sem publicidade. Mas pressupõem um trabalho de sapa. Coisas que tais não se anunciam. Fazem-se. Fazem-se aparecer. E, quando aparecem, parece emergirem do profundo alçapão da latência em que fermentaram… Pela dignidade de todos, pelos valores da cidadania activa, pela Democracia.  

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A Europa numa encruzilhada

ANTÓNIO LUÍS LOPES

Uma nuvem de poeira com origem num vulcão islandês pairou sobre a Europa em Maio de 2010, perturbando o tráfego aéreo. Tal como essa nuvem de poeira, paira igualmente sobre o projeto político e económico europeu uma enorme nuvem cinzenta de pessimismo e dúvida.


Uma crise que começou por ser financeira (e que teve origem – será bom não o esquecer – num quadro de desenfreada especulação financeira e numa “bolha” artificial criada pelos grandes especuladores financeiros a nível global) degenerou numa crise social de contornos ainda indefinidos. Os mercados reagem de forma quase esquizofrénica – “afundam-se” perante a perspetiva de elevados défices e da possibilidade de incumprimento por parte das Nações; mas também não recuperam nem se animam quando são tomadas as medidas restritivas que, teoricamente, levariam a tal reação. Temem o incumprimento – mas também a recessão a que algumas medidas restritivas poderão conduzir. No entretanto, as famílias da classe média sentem-se “acossadas”, vêem os seus rendimentos reduzidos mas os encargos contraídos manterem-se ou até crescerem, temem o futuro, não entendem que todas as “faturas” lhes sejam impostas quase sempre em exclusivo.

Tal como na Revolução Industrial, vivemos uma era de profunda mudança política, social e económica. Se no século XIX se registaram profundas alterações no modelo produtivo, com os movimentos migratórios dos campos (agricultura) para as cidades (fábricas) e a “exclusão” de muitos milhares que não se adaptaram ou não conseguiram integrar-se nesse novo modelo, também hoje se vislumbram os primeiros contornos sérios de uma Revolução a que chamaria do “Conhecimento”, que veio alterar não apenas o modelo de produção mas a forma como cada indivíduo se relaciona (ou posiciona / “transaciona”) num mercado de trabalho completamente aberto.

O Trabalho de hoje exige cada vez menos força física ou repetição burocrática – e, cada vez mais, originalidade, criatividade, prestação de um melhor serviço. As máquinas do passado praticamente não precisam quem as opere – mas sim quem conceba os novos produtos que elas se encarregarão de fabricar. Já não basta ter uma porta aberta e esperar que os clientes entrem – há que procurar fatores diferenciadores da concorrência, especialmente em termos de prestação de um melhor serviço, com maior disponibilidade horária, com conhecimento profundo do produto vendido, com geração de “proximidade” face às necessidades do cliente, etc. Tal como no passado se destruíam as máquinas que a Revolução Industrial criara, tentando inutilmente deter a marcha do inexorável progresso, veja-se agora para onde se dirigem as “pedras” e os cocktails molotov (físicos ou discursivos): para os bancos, para o comércio, para as "marcas" de sucesso, para os novos “magnatas do Conhecimento” (Windows / IBM / Apple, etc).

É neste “caldo” que vivemos e no qual teremos que construir as soluções de futuro. A Sociedade do Conhecimento é uma realidade e é nesse âmbito que se reformulará o valor do fator trabalho, que se criarão novas carreiras (as Universidades começam a adaptar-se e a criar novas soluções académicas), que se exigirão novas regras na contratação, que se transformarão os sindicatos, que se estreitarão laços entre países. É precisamente por isso que aprender Inglês (indubitavelmente a atual língua universal) no Ensino Básico ou aceder a um computador portátil, não são “caprichos” que alguns néscios ou inconscientes, entre nós, se apressaram a criticar – são sinais de preocupação, ainda que rudimentares, com um futuro que já está aí e onde os novos analfabetos, os novos “excluídos”, serão aqueles que, efetivamente, desconhecerem esses saberes básicos.

Posto tudo isto, ainda assim a “nuvem” persiste… Talvez porque a sensação é a de que esta “Revolução” está órfã de uma efetiva liderança política. Com efeito, ninguém pode ter como “projeto de vida” o equilíbrio de um qualquer défice. Ninguém pode motivar-se se o horizonte que vê é cada vez mais negro. Nenhum “modelo europeu” digno desse nome pode passar apenas pela lógica financeira e pela contabilidade organizada das Nações. Falta liderança. Falta condução. Falta visão. A Europa de Merkel, de Durão Barroso e de Passos Coelho é uma Europa de “mangas de alpaca”, aprisionada num enorme colete de forças de onde parece incapaz de sair. Não há rasgo. Não há projeto. E é por isso que os povos se agitam, temem o futuro, se angustiam.
As pessoas questionam-se legitimamente – de que serviram os sacrifícios feitos há vinte e tal anos atrás, se de repente parecemos voltar à estaca zero? Onde está a “nossa” Europa de bem-estar e desenvolvimento generalizados? O que foi feito de tantos milhões em apoios e subsídios que, em Portugal, especialmente nos “anos dourados” das maiorias do 1º ministro Cavaco Silva, visaram reformar profundamente o País e deixá-lo preparado para evitar “crises” como a atual? Afinal, duas décadas volvidas e estamos novamente a ser confrontados com um cenário de empobrecimento generalizado, de recessão, de medo do futuro?...

É urgente, assim, “refundar” a Comunidade Europeia. Essa “refundação” só poderá ser feita por lideranças determinadas e visionárias, capazes de sacrificar o que for necessário agora mas em função de uma meta clara e objetiva a atingir, chame-se ela “paz”, “desenvolvimento sustentado” ou “Conhecimento”. A Europa tem todas as condições para liderar uma Revolução do Conhecimento a nível mundial, até pelas relações privilegiadas com África, Ásia e América Latina, com quem pode estabelecer novas pontes e criar novas parcerias. O exemplo de paz e tolerância, durante décadas, dentro das fronteiras da Europa, pode ainda ser alargado com a adesão da Turquia e possibilitar um novo diálogo com o Irão. Disseminar Conhecimento deve ser um desígnio europeu. Só o Conhecimento gera tolerância, diálogo, desenvolvimento. Em seu redor é possível desenvolver novas indústrias e serviços na área dos conteúdos e da criatividade em geral, articular com o Turismo, alicerçar com mão de obra qualificada e formação à medida. A Europa pode começar a fornecer as “canas para pescar” em vez do peixe já pescado. O nosso “petróleo” é o Conhecimento e há todo um campo por explorar num Mundo onde a pobreza e a exclusão ainda são (tristemente) reinantes.

Recordemos que, mesmo numa cidade de Londres barbaramente destruída pelos ataques aéreos nazis, durante a 2ª Grande Guerra, a população “persistia” em reunir-se em grandes salões de baile e dançar ao som de uma qualquer orquestra da época, com sorrisos rasgados que escondiam a profunda dor que certamente sentiam. Centenas de pessoas dançavam e rodopiavam durante horas – enquanto o seu mundo ruía, os seus entes queridos morriam, o amanhã era incerto. Mas aquelas pessoas tinham Esperança e Determinação. O seu sacrifício fazia sentido. Nenhum inimigo, por mais poderoso que fosse, as faria desistir. Queriam demonstrar que nada podia abalar o seu patriotismo e a sua defesa da Democracia, custasse o que custasse. Para que tal sucedesse foram determinantes líderes visionários, como Churchill ou De Gaulle, obviamente.

São esses líderes que urge encontrar nos nossos dias para que, tal como a chuva ajudou a dissolver a nuvem de partículas originada pelo vulcão islandês, possam também “dissolver” esta angústia das populações à procura de referências concretas para a construção do futuro. Caso contrário talvez estejamos a caminhar, inexoravelmente, para o fim da união europeia tal como os seus pais fundadores a conceberam, sem que se vislumbre qualquer alternativa, democrática e progressista, válida.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Gerações

FERNANDO MORAIS GOMES

O novo som dos Pearl Jam era brutal, dizia o Becas para o pessoal, na altura em que o Duarte, acompanhado do pai, chegou ao bar do Diogo. Concluído o curso, arranjara emprego a recibo verde num call center da PT, mas mais uns dias e terminaria, não era política da empresa renovar contratos. Liliana chegou também, acelerada, o pessoal de Jornalismo combinara ir à manif dos indignados, já mandara convites pelo Facebook:

-Então, chavala, sábado estamos lá no Rossio? - Duarte entusiasmara-se com a ideia do protesto, não era a Praça Tahrir, mas havia que estar presente, trezentos euros por mês não davam nem para o tabaco.

-Podes crer, meu, ainda agora falei com a Xana, vamos de comboio! - Liliana mandara fazer uma T-Shirt com a frase Fartos de recibos verdes estampada, o pessoal de esquerda andava a apalpar terreno.

-Esta coisa das manifestações inorgânicas é perigosa, putos! –aconselhou Artur, o pai do Duarte, veterano doutras guerras depois de Abril  - correm o risco de virem a ser acusados dum discurso anti partidos, que o Hitler foi assim que começou, etc…

-Mas é verdade, senhor Artur- ripostou a Liliana- é tudo conversa fiada, falam que somos a geração com mais competências de sempre, mas afinal tiramos cursos para quê? Para ser caixas no Pingo Doce? Viu o tipo da Jerónimo Martins, a dizer que não aparece ninguém para os talhos deles, que ninguém quer trabalhar? O tipo passou-se, com certeza!

-Uma coisa é certa, o que pode ser uma grande ideia pode perder-se no ruído, eles estão a fazer disto caricatura para desvalorizar e dizer que vocês são apenas putos irreverentes…Artur Esteves lembrava os seus tempos, outras roupas, velhas questões-E o paradoxo é que os que mandam agora são os mesmos que há vinte anos andavam a mostrar o rabo ao ministro…É sempre assim, já o Karl Marx dizia: a História repete-se sempre, primeiro como tragédia, depois como farsa!

-O cota do teu pai tem razão, puto, isto sem barulho não vai a lado nenhum, viram na Tunísia e no Egipto? –concordou o Becas, acabando um cigarro de enrolar. No portátil do filho, Artur leu o manifesto, lançado no Facebook:

-Não acham um pouco utópico? Dispara em todas as direções, isto não há como ser seletivo com o alvo! -o velho mas enxuto dirigente académico dos finais de setenta, parecia recuar uns anos para o tempo das lutas em Direito, que não chegara a completar. Nessa época era contra o MRPP, lembrava-se bem do Durão Barroso, desfraldado e com caspa, e agora servidor daqueles que tanto combatera- Além disso, faz falta um líder, um rosto…

-As caras hão-de aparecer! -argumentou Liliana- no Maio de 68, o Cohn-Bendit também surgiu espontaneamente, dei isso na faculdade. Não mexer uma palha é que não é nada. Sabe quantos estágios já fiz à borla? Três, não estou interessada em fazer disso modo de vida, assim não dá! Ou então é dar o salto, três amigas minhas já foram….Mais cerebral, Duarte observou:

-Os comentadores encartados menorizam a coisa, viram o Miguel Sousa Tavares na SIC? Parecia o Medina Carreira a falar. Falam muito, mas preferem a segurança do sistema, têm medo dos jovens. Isto é novidade, é uma coisa que não percebem, e tem-se medo daquilo que se desconhece. É o tradicional maniqueísmo dos bons e dos maus, e quando não identificam uns e outros nos seus quadros de arrumação mental, rejeitam, é mais seguro….

Ao bar chegaram entretanto o Kiko e a Mónica. Kiko arranjara um part-time na Worten mas o contrato acabara e não seria renovado. O wireless do bar do Diogo ajudava a mandar sem dispêndio currículos por mail, à cautela, esconderia as habilitações, senão lá viria o velho e estafado bordão dos estudos a mais.

-Men, vais lá sábado? Tenho estado a fazer forward da convocatória para o pessoal, só da Lusófona vão nove! -Duarte pedira uma imperial, o pai aceitou uma fresquinha, também, a seguir iria para casa concluir a peça para o jornal sobre o novo hospital de Sintra.

-Conta comigo, puto, depois vamos beber umas jolas! -a perspectiva de festa não estava posta de parte, Liliana juntar-se-ia à noite no Bairro.

-“Camaradas, pah”…-caricaturou o Kiko, imitando o Jel e o Falâncio-“a luta é alegria”. Oh Liliana, tu podias ir de ceifeira, assim uma espécie de Catarina Eufémia com piercing, minha!

-Vai-te catar, Kiko! És mesmo nerd!

-Rapazes, atenção, que há por aí muita gente a dizer que vocês  não querem fazer nada, só querem que vos caia tudo de mão beijada, que são os deolindos…-Artur moderava os ânimos, ainda não dissecara bem a coisa, novato no Facebook.

-Sr. Artur, no seu tempo, quanto tempo é que teve de esperar para arranjar emprego? O meu velho diz que dantes só não trabalhava quem não queria…-atalhou Liliana, meio revoltada.

-Sim, nesse aspecto está tudo muito diferente. Eu, três meses depois de deixar os estudos, já trabalhava no Diário de Notícias, e casei aos vinte e quatro!

-Está a ver…A sua geração fez a trampa e nós pagamos a factura, é o que é. Nada de pessoal consigo, chefe!

-Eu entendo…-Meio triste, Artur interiorizava os já arqueológicos anos do PREC, os companheiros de então agora cuidando das cirroses e próstatas, vencidos da vida da era do telemóvel, fora tudo tão rápido, da embriaguez à ressaca.

Pelas oito horas dispersaram, numa televisão ao fundo, novos velhos do Restelo opinavam sobre a dívida, o desemprego, os pais dos problemas aventando soluções, agora que estavam afastados do poder. Já em casa, Artur serviu-se dum whisky e releu um poema amarelecido de Sophia, sempre ela, pitonisa e bela:

“Revolução isto é: descobrimento /Mundo recomeçado a partir da praia pura /Como poema a partir da página em branco / Catarsis emergir verdade exposta /Tempo terrestre a perguntar seu rosto”

-Duarte! -na cozinha o filho descongelava a pizza no micro-ondas, enquanto ia debitando mensagens para os amigos:

-Diz pai!

-Sabes quem foi Jean Paul Sartre?

-Ya, era um cota muita fixe, desconcertante às vezes, falámos dele uma vez, na faculdade.

Enigmático e antes de se isolar a ouvir Doors, Artur Esteves largou uma frase sibilina do Velho Feiticeiro: “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”