sábado, 10 de janeiro de 2015

A Janela Redonda

EURICO LEOTE


O mar ao longe dificilmente se distinguia da linha do horizonte. Apenas através das diferenças de tonalidade se tornava possível distingui-las, e isto claro, sabendo que ele se encontrava lá ao longe naquelas bandas. Com efeito e por vezes em função da incidência dos raios solares, estes espelhavam reflexos brilhantes nas águas. Outras vezes era o próprio céu que se apresentava com uma coloração azul desmaiada sendo fácil distingui-lo do azul esverdeado forte e mais carregado das águas do mar.

A distância a que se encontrava do mar, era bastante significativa. Dir-se-ia uma boa dezena de km em linha recta.

A janela por dentro da qual espreitava o mar na distância, apresentava um formato arredondado formado mais correctamente por um painel de 4 pequenas vidraças, onde apenas duas delas se abriam para o exterior. Esta janela fazia parte de um apartamento situado num 5º andar, pertencendo a um bloco isolado de 9 pisos na sua altura máxima.

Na sua frente abria-se um amplo espaço permitindo a visão para longe, por cima dos telhados de algumas casas mais baixas, e localizadas em planos inferiores, numa total imensidão até onde a vista e a distância alcançavam.

Por perto uma pequena mata de pinheiros mansos permitia deliciar os olhos com o seu verde permanente, salpicado do amarelo dos rebentos novos e respectiva floração. Outra espécie de pinheiro formava áleas delimitando a zona pedonal da zona de circulação automóvel.

Uns campos de jogos agora abandonados, faziam as delícias dos mais novos, numa boa peladinha de futebol de cinco. Um pouco mais ao lado, o que já fora em tempos campo pelado, depois campo ervado, era agora de novo um campo pelado, aguardando a colocação de um piso de relva sintética, após ter sofrido algumas obras, como a construção de muros em betão delimitando o seu perímetro, tendo em vista a protecção do futuro espaço desportivo. O mesmo foi ligeiramente alargado e aumentado no seu comprimento, mas receia-se que esta ampliação não venha permitir a criação de uma pista em seu redor, no sentido de facilitar a prática do atletismo, algo bastante procurado pelos amantes desta modalidade, acessível a todos, os quais como única alternativa terão de continuar a correr pelas ruas e no meio dos carros, competindo com os automóveis, e respirando um ar saturado e nada favorável à prática desportiva.

A redonda janela embora não muito ampla, mostrava uma significativa área aberta, permitindo e convidando a que o olhar se estendesse sem chocar com coisa alguma.

Num longe perto avistavam-se meia dúzia de guindastes, sinal de construção, não obstante a situação de crise que atravessávamos.

Num longe significativamente longe, eram os postes das antenas de televisão que sobressaíam, atiradas para o ar como agulhas, mais parecendo troncos nus de folhas e ramos.

Um depósito de água encimado por uma cúpula redonda, sobressaía destacando-se no azul do céu, semelhando uma torre de controlo aéreo.

 O verde por entre a concentração de casas num plano próximo ajudava a quebrar a monotonia do betão, combatendo o amarelo torrado e o branco das casas, bem como os tons rosa da cor dos telhados.

A fita cinzenta das estradas lá seguia o seu caminho, ajudando à circulação automóvel, que fluía de forma rala e esparsa, própria da hora de pouco movimento.

Sentado na cadeira da sala servida por esta janela, podia observar calmamente todo o movimento. As nuvens rodavam desenfreadamente arrastadas por um vento contínuo, mais activo nas camadas altas da atmosfera, pois as folhas das árvores dobravam de forma rítmica e suave.

O céu aos poucos carregava e escurecia. Uma chuva miúda principia a cair. Uma breve bátega abateu-se de repente, dando rapidamente lugar a um brilhante sol, banhando de luz os objectos e colocando cintilações nas pingas pendentes, e nas poças de água agora criadas. Estávamos no início da Primavera, e a incerteza desta estação, assim determinava estes comportamentos. Belos todos eles, pelas matizes colocadas nas folhas e ramos, pelas cores variegadas vindas dos campos, que se esforçam por sorrir e fazer desabrochar as flores.

Uma pequena e ténue neblina observada ao longe torna irreais os objectos apagando-os aos poucos no seu caminhar de proximidade. As casas perdem as suas cores e os seus contornos. A chuva miúda retorna a cair e desta vez parece que veio para ficar.

A claridade apesar de diminuta vinda através dos vidros da janela, permitem que continue a leitura da obra a que se dedicara nos últimos minutos. Trata-se de uma obra de conteúdo relaxante, o qual adquire outro sabor quando feito junto a esta janela aberta sobre o pequeno mundo no qual habita.

Através dela consegue alcançar outros mundos, outras vidas. Através dela deixa o seu olhar passear. Ousa sonhar e criar o seu próprio universo. Construir o seu castelo de cartas, e vê-lo ruir quando se retira para o interior e afasta da janela.

A janela constituía o contacto com o mundo exterior. Através dela chegavam os sons dos carros correndo na avenida, as sirenes das ambulâncias cavalgando apressadas, o vento rugindo ao passar na esquina do prédio. Escassas e imperceptíveis as vozes dos transeuntes dada a altura e a distância. No andar superior o cão do vizinho começou a falar de forma rápida e aparentemente de satisfação. Eram efectivamente horas dos donos regressarem a casa, e o bichano manifestava dessa forma a sua alegria.

O telefone tocou transportando-o para outra realidade. Alguém chamava do outro lado, necessitado de esclarecer alguma situação, ou prestar informações, sem colocar de lado a hipótese de ter havido engano no nº discado. Levantou-se rapidamente e caminhou para a sala onde se encontrava acordado e irritado o telefone pousado no descanso. Retinia com insistência e estridência, como se tivesse pressa. Levantou o auscultador, e do lado de lá ouviu um sinal sonoro indicador de corte de chamada. Certamente alguém se enganara e havia considerado essa hipótese, optando por interromper a comunicação. Pousou o auscultador com um singelo encolher de ombros. A hipótese formulada de possível engano vingara, pois não reconhecera o nº no visor.

Aproveitou para se deslocar à cozinha. Sentia uma ligeira necessidade de comer alguma coisa. Estava próximo da hora do lanche. O almoço fora aparentemente mais fraco que o habitual. Peixe e legumes segundo o ditado, não puxam carroça. Havia que comer algo para enganar o estômago e esperar assim pela hora do jantar. Preparou uma sandes com queijo, enquanto a cafeteira eléctrica entretanto ligada, cumpria a sua missão de aquecer  a água nela colocada. Iria tomar um chá a acompanhar a sandes.

Satisfeita esta necessidade básica e primária, já com recurso à iluminação artificial, pois a noite fechara-se sobre si, retomou à sala meio às apalpadelas, servindo-se agora da claridade vinda do exterior, que entrava pela vidraça adentro da janela redonda.

Perto e ao longe as lâmpadas da iluminação pública brilhavam, semelhantes a faróis faiscantes. No interior das casas próximas, a iluminação era bastante escassa. Os cidadãos encontravam-se a caminho de suas residências, após concluírem mais um dia de trabalho. Era assim um dos ciclos da vida e uma das rotinas a cumprir até à exaustão.

Sentou-se na cadeira contemplando o agora céu azul com bastantes nuvens, deixando antever escassos pontinhos brilhantes. Sentiu sonolência e as pálpebras algo pesadas. Optou por não contrariar este curto convite ao descanso. Encostou-se comodamente e fechou os olhos.

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