quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O Jardim da Castro


ADELAIDE BERNARDO


Licenciada em Português/Inglês, com experiência profissional nas áreas 
 Vivi grande parte da minha vida na Praceta Ferreira de Castro, em Agualva. Foi um óptimo lugar para se viver uma infância: tinha um parque infantil e um jardim. O parque, aquando do programa Polis, deu lugar a um estacionamento. O jardim foi perdendo ao longo da duas últimas décadas o esplendor de outrora, em que era o único jardim da freguesia e o cenário das tradicionais fotos de casamento.
A praceta foi habitada, na década de 60, por muito casais oriundos da migração do interior do pais, em busca de melhores condições de vida do que as que teriam na exploração dos pequenos terrenos agrícolas familiares. Aqui, cresceu uma geração de rapazes (eram quase 30), entre os quais os meus irmãos (nós, raparigas, éramos em menor número), que se reuniam nos seus bancos, sempre sob o olhar de uma qualquer vizinha. O jardim era um espaço familiar, vigiado (pelo olho de falcão da D. Ana e restantes vizinhos) e respeitado.
Mas as gerações crescem e vão à sua vida fora da praceta. Alguns vizinhos mudam-se, outros despedem-se desta vida. As casa recebem novos moradores. Moradores para quem a praceta é o local onde dormem e não o local onde os seus filhos crescem em comunidade na rua. Pessoas com outros valores que não o de vigiar um jardim que o descaso de uns, a falta de empenho de outros e o vandalismo de estranhos foi votando ao desleixo.
Que solução para este local? Muitos gostariam apenas de vê-lo transformado em mais lugares de estacionamento. Esquecem que o verde, uma vez perdido, nunca mais retorna. Outros, a velha guarda, querem o esplendor de há 45 anos. Desenganem-se. O tempo segue em frente e já nada será como era e há que perceber que a solução não pode passar só pela afectividade, que também não pode nem deve ser negligenciada pelos decisores. No entanto, é possível devolver a dignidade a este espaço.
Eu acredito na valorização deste espaço. Terá de ser um jardim renovado, mas diferente de outras décadas. Hoje, os valores e as prioridades são outros.
Hoje, as novas gerações crescem dentro de 4 paredes em frente aos computadores. As mães e avós trabalham a tempo inteiro. Isto é, se não estiverem à procura de um trabalho, o que lhes ocupa igual tempo. Hoje, o medo da violência e represálias de uns quantos vândalos impede a resistência dos mais velhos. Hoje, os valores da cidadania são praticados mas só a nível das exigências e não no que está ao nosso alcance e à nossa frente: a preservação de um espaço que é de todos.
Sempre que retorno à praceta onde os meus pais se estabeleceram após o casamento, criaram três filhos e fizeram amizades de toda uma vida, fico triste com o estado do meu jardim. Tecnicamente, não sei quais as melhores soluções, mas sei que já todas foram apresentadas. O meu senso diz-me que a vigilância e cuidados regulares, a rega e a plantação apropriadas darão os seus frutos. Talvez demore ainda uns meses a ver os resultados desejados. Mas também acredito que um jardim cuidado possa fazer com que novas gerações voltem a sentir o afecto que todos sentimos.
Se mais não posso pedir, posso, no entanto, dar este testemunho. Peço a todos que lutem por este espaço que é de todos e para que este venha a ter um novo esplendor. Merece a freguesia e merecemos todos nós que aqui residimos e trabalhamos. 

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