sexta-feira, 24 de abril de 2015

Breve Momento

EURICO LEOTE

Olhando a imensidão e profundidade das montanhas, caio em mim e sinto-me insignificante face aos fenómenos naturais.

Estas massas enormes foram e continuam a ser moldadas pela natureza ao longo dos séculos. Perante a sua idade a minha existência nada é, contudo, sou suficientemente teimoso e quiçá estúpido ao querer e insistir em transformar e domar estes corcéis altivos, rudes mas simultaneamente belos ao olhar. Olhar que não cansa face à diversidade morfológica e às tonalidades obtidas.

Na alta montanha a cor do céu está constantemente a mudar. As nuvens correm tingindo de cinza os penedos. Num repente abrem e noutro repente fecham refulgindo os cabeços, onde ainda se avistam restos de gelo resultado do inverno recente, pois as neves mais brancas e macias há muito se foram liquidas encosta abaixo a correr nos rios que passam nos frescos e arborizados vales.

Eis que de repente o cabeço se avermelha semelhando sangue escorrendo pelas suas encostas, resultado único e inolvidável do sol coberto pelas nuvens ao incidir no seu cimo. As nuvens até então cor cinza deixam ver agora pinceladas de vermelho numa tela multicolor. Rapidamente preparo a minha máquina de registar os momentos e obtenho uma magnífica fotografia para poder contar e mostrar aos amigos.

Volvidos breves momentos, o vermelho deu rapidamente lugar ao cinza. Acabara de viver e registar um momento pouco comum e nem sempre observável, só possível em alta montanha, onde tudo é imprevisível e acontece em rápidas fracções de tempo. Tempo que é aquilo que alguém em período de descanso e ainda por cima já reformado do seu quotidiano trabalho, tem que sobeje, para ficar a olhar para tudo e para o nada, o que é algo que vai acontecendo com maior frequência. Deixamos o cérebro relaxar e divagar. Ficamos com o olhar fixo e aparentemente parado. Só o cérebro continua a sua função e vai destrinçando e ordenando a multiplicidade de pensamentos que vão correndo e desfilando na nossa mente.

O sol apressava-se para ir dormir, ou mais correctamente para ir banhar de luz e de calor a outra metade do planeta, pois o sol nunca dorme nem descansa para nosso conforto e bem estar. O céu apresentava-se vestido de nuvens cinzentas esparsas, deixando antever algumas manchas azuis.

Recolho ao meu refúgio antes que a noite se encerre sobre si, até porque uma fria aragem vem descendo do alto da montanha, arrastada por uma suave camada de nuvens, vulgarmente conhecida por nevoeiro. Opto por encerrar as janelas não vá o vento fazer uma partida. Por outro lado reduzo a exposição ao frio, e a probabilidade de precipitação em alta montanha é muito frequente, mais valendo prevenir do que remediar.

No aconchego dos meus aposentos, ao abrigo da intempérie, e ouvindo o passar do vento roçagando nas paredes sento-me comodamente após colocar um cd no prato da grafonola, a curtir alguns momentos musicais de todos os tempos, e implicitamente do meu tempo, pois para tudo há um tempo e um momento, e momento passado já não volta, já não é nem pode ser como foi. Daí por vezes a nostalgia que nos assola, e a recordação do que foi e já passou, e que de vez em quando insistimos em trazer ao nosso imaginário, forçando a mente a levar-nos nessa viagem de recordações, embora por breves momentos nas asas do tempo. Por vezes ficam apenas os testemunhos como o daquela foto que obtive há pouco, e que simboliza algo que irei mostrar e rever com carinho.

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