domingo, 3 de maio de 2015

Amor Fugaz

EURICO LEOTE

Ela era linda, simpática e parecia eficiente. Linhas bem perfeitas, torneadas e cativantes. Tinha 19 frescos e alegres anos. Estatura mediana, escorreita, cabelos morenos curtos e aparados. Ar garoto e andar bamboleante, atraente e direi mesmo algo provocador. Peito miúdo mas firme, exibindo mamilos deliciosos e agradáveis à vista.

Ele a dar-se ares de filósofo, bem falante, cachimbo ao canto da boca, ar distante. Estatura acima da média para homem mediterrânico. De chapéu e de sapatos brilhantes, bem vestido e engomado. Conjunto de fato e gravata azul marinho, com bolinhas azuis mais escuras. Um verdadeiro cavalheiro, de cabelo algo desalinhado mas bem tratado. Conheceram-se no local de trabalho. Um encontro meramente casual e inevitável para quem partilha e cruza os mesmos caminhos. Cruzaram-se nas escadas altura em que ele lhe chamou a atenção para a ponta do tapete levantada, não fora ela tropeçar e cair. Sorriram. Agradeceu a atenção e cuidados. Trocaram um olhar mais demorado. Voltaram a sorrir e afastaram-se ambos com um ligeiro brilho nos olhos. O cupido estivera presente naquele rápido e fugaz encontro. Dera mais um tiro certeiro com o seu instrumento caça lovers, pelo menos momentaneamente. Sim, porque o futuro e continuidade deste processo já não era da sua conta nem responsabilidade. Uma vez alcançado este objectivo, partira em busca de outro parzinho de arma assestada. A fase seguinte ficava entregue ao deus dará, ao alinhamento da lua, à conjuntura social e política, aos deuses do amor, da saúde, da justiça e de outros criados e inventados pelo homem ao sabor das suas necessidades, e para satisfação dos seus interesses momentâneos e fugazes.

O namoro teve início uma semana depois, quando voltaram a cruzar-se à entrada para a cafetaria fronteira ao local de trabalho. Uma comum interligação e vontade de aprofundar conhecimento, levou-os até uma mesa, onde após breve troca de banalidades, passaram a entrecruzar ideias, e a partilhar experiências, e a aferir gostos e sentimentos. Passaram a encontrar-se diariamente e a sair juntos. Trocaram tudo o que havia para trocar. Partilharam o que bem lhes aprouve ao sabor de gostos e desejos momentâneos. Desencantaram a lua e descobriram o que havia guardado nos baús. Brincaram como crianças que descobrem o brinquedo desejado. Esqueceram por momentos o que havia à sua volta.

Contudo, tudo se complica e modifica, quando partilhar responsabilidades se torna necessário, e quando se acorda verdadeiramente para o real. Surgem as desconfianças. Os caracteres e comportamentos acordam do sonho e revelam-se verdadeiros. O encanto dos primeiros momentos cedeu lugar a pontuais discussões. Surgem as dúvidas e naturais interrogações.

Mais denso se avoluma o problema quando as chamadas liberdades pessoais e individuais são colocadas em causa.

Aos poucos foram-se afastando. Algo quebrara aqueles momentos mágicos e únicos, e dera agora lugar a ocasionais e fortuitos encontros.

Começaram mesmo a evitar-se. Fora algo meteórico, relâmpago, e está tudo dito. Não são necessárias mais palavras, quando falharam os actos associados a novas realidades.

O afastamento deu-se por completo quando a nossa jovem fazendo valer as suas qualidades responsáveis e a eficiência, foi estagiar para um gabinete de advogados na outra extrema da cidade, e aí arranjou apartamento provisório. Nunca mais se soube nem de um, nem do outro. Entre eles ficou a recordação dos bons momentos partilhados.

Sem comentários:

Enviar um comentário