domingo, 24 de maio de 2015

As Palavras e o Fumo

EURICO LEOTE


As palavras são como o fumo branco e cinzento, farrapos negros, cáusticas mesmo.
O fumo esconde a luz, as palavras escondem e desculpam os actos.
Fechadas e herméticas, as palavras ficam encerradas em si próprias, tal como o fumo negro encerra a luz e tapa a verdade, camuflando-a, e por vezes disfarçando com fiapos mais claros, meramente prometedores e só isso.
As palavras isoladas não associadas a actos, meramente de retórica e de ocasião, são como o fumo que se evola e sobe em turbilhão para a atmosfera, desvanecendo-se na sua ascensão rumo a nenhures.
Por vezes sentimos que estamos a falar para o vazio, que atiramos palavras para o ar, que seguem o mesmo percurso que o fumo.
Algumas palavras são duras e negras, magoam, doem no íntimo do ser, trazendo-nos lágrimas aos olhos, tal como o negro e pesado fumo que se liberta do incêndio que lavra, destruindo haveres e fazendo o homem mais pobre e triste.
As palavras por vezes são promessas. Promessas são sempre esperanças. O dia a dia de cada um de nós constrói-se alicerçado nessas esperanças. Agarra-mo-nos às palavras, bebe-mo-las e repeti-mo-las, procurando com isso obter ecos, que possam reforçar e complementar essas esperanças. Sentimo-nos defraudados quando aos poucos e no tempo, essas promessas se vão esfumando, e com elas as esperanças acalentadas. Aí somos nós que passamos a fazer uso das palavras, apelidando tudo e todos, desabafando, libertando a pressão interior, soltando as palavras caladas e acumuladas, devolvendo-as, ásperas e pontiagudas, certeiras, porque sinceras e verdadeiras. E mais uma vez as esperanças se foram levadas para a estratosfera, longe, bem longe, para onde os homens delas se possam esquecer, e outros as possam continuar a ignorar.




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