segunda-feira, 13 de julho de 2015

Festival de Sintra, cinquenta edições, milhentos cuidados

JOÃO CACHADO 
 
No ano passado, depois de ter anunciado que, em 2015, para celebrar a sua quinquagésima edição, o Festival de Sintra contaria com todos os meios adequados – chegando a dar como exemplo o incomparável caso de Salzburg, e assim usando uma hipérbole que expressava a inequívoca disposição e a conforme disponibilidade de o executivo autárquico se adequar ao desafio – o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra criou a natural e boa expectativa que, de facto, esta iniciativa cultural merece.
Convenhamos que não se afigurava fácil a tarefa, tanto mais que se acrescentou a responsabilidade de contar com a Senhora Marquesa de Cadaval, a mais desinteressada mecenas a quem o Festival, Sintra e o país tanto devem, como figura tutelar deste jubileu. Na sua condição de mais antigo e mais prestigiado do país, eis o Festival de Sintra, com pergaminhos tais que, para estar à sua altura, preciso é trabalhar com a fasquia muito alta, em todos os domínios, desde a concepção do programa e sua coerência temática, ao contrato atempado dos artistas e, necessariamente, até ao detalhe de todos os aspectos organizativos.
Pois bem, tendo terminado no passado dia 6, é tempo de partilhar algumas ideias, não à guisa de formal avaliação mas, tão somente, com o propósito de que, acerca da quinquagésima edição, fiquem elas alinhadas à consideração de quem pode e deve concluir se os objectivos inicialmente formulados terão sido alcançados e, eventualmente, em que medida poderão ser rectificados alguns procedimentos.
Não me deterei em referências a qualquer dos eventos já que, em tempo oportuno, tanto no Jornal de Sintra, sobre o concerto de Abertura como, posteriormente, nas redes sociais, me fui pronunciando à medida que iam sucedendo. Tal não significa que me furte a indicar momentos ou circunstâncias que considero terem constituído pontos mais altos e menos positivos do Festival.
Deixem-me, porém, voltar à questão dos pergaminhos para vos confessar que, por vezes, chegam a intimidar. É que, pelo Festival de Sintra, passaram só os melhores do mundo, desde maestros, a pianistas, violinistas, violoncelistas, agrupamentos de câmara, orquestras, etc. É verdade! Há poucos dias publiquei o palmarés que impressiona qualquer melómano por mais rodado que seja…
Gostaria de confirmar que o tal prevalecente propósito de estar à altura do passado, não equivale à absoluta necessidade de contratar galácticos de nível idêntico. Absoluta e inequivocamente indispensável, isso sim, a manutenção do maior respeito pelo serviço à Arte e nenhuma concessão à facilidade, ao improviso ou à falta de dignidade na celebração da grande Música.
2015, altos e baixos
Em geral, nada houve que tivesse posto em causa os exigentes e exigíveis padrões de qualidade. Pelo contrário, momentos como o do recital inicial de Nelson Freire, no Centro Cultural Olga Cadaval, ou de ambos os concertos que contaram com Olga Prats, no Palácio da Vila bem como, na Quinta da Piedade, os eventos com o Quarteto Moscovo e o recital do pianista Jeffrey Swann, incluíram momentos da maior elevação. Pelo contrário, infelizmente, terei de registar – não inerentes a momentos de vivência musical mas a falhas de organização – circunstâncias que, de todo em todo, por não terem sido evitadas, afectaram o usufruto do público.
Muito especificamente, mesmo não entrando em pormenores, de referir uma série de indícios de manifesta escassez de recursos que acabariam por  comprometer o nível desejável. Desde os pianistas que, na maioria dos casos, não tinham quem lhes virasse as folhas das pautas, até aos programas de sala e programa geral, paupérrimos, pouco mais se limitando do que ao registo das biografias dos artistas, estivemos perante uma indigência que, hoje em dia, é raro encontrar.
Não esqueçamos que, além de lugares geométricos de relação com e de partilha da Música, um recital, um concerto, um festival também são lugares de aprendizagem, de profundo enriquecimento pessoal. Para o efeito, suposto é que os programas impressos se apresentem e sirvam como elementos imprescindíveis do acesso às obras, para consulta no momento e memória futura. Nos programas da 50ª edição do Festival de Sintra nem uma palavra sobre as peças, nada sobre os compositores, e, francamente, muito pouco, praticamente nada sobre a grande homenageada, a Senhora Marquesa de Cadaval.
Ainda de registar uma falha de organização que terá impedido a apresentação dos Carmina Burana, de Carl Orff, tal como anunciava o programa do concerto de encerramento, com a Banda da GNR, as vozes solistas de Ana Paula Russo, soprano, Mário João Alves, tenor e Armando Possante, barítono, bem como o Coro Lisboa Cantat. Em sua substituição, imprevistamente e sem qualquer relação programática, cronológica, temática ou outra, a referida formação musical apresentou peças de Samuel Hazo, Schostakovitch, Duarte Pestana, Saint Saens, Manuel de Falla e Tchaikovsky.
Sob a designação de Contrapontos, as conferências e concertos por bandas filarmónicas correram de forma bastante satisfatória. Entretanto, a transmissão televisiva dos eventos do Festival para as comunidades – em diferentes pontos do concelho, via streaming, em directo ou diferido – foi um programa que deu uns primeiros e tímidos passos que será necessário melhorar significativamente para que o resultado ora perspectivado seja efectivamente alcançado.
Em suma, uma edição do Festival de Sintra cujo interesse, num ano particularmente crítico de celebração e de homenagem, foi potenciado pela efeméride que alimentaria expectativas algo mitigadas por dificuldades que importa avaliar convenientemente.
Tal como tenho vindo a insistir em diferentes oportunidades, considero de toda a pertinência de operacionalizar o funcionamento permanente de  pequena equipa, não mais de dois elementos, exclusivamente afecta à preparação de todas as operações de uma iniciativa cultural com o gabarito que o Festival de Sintra já teve e que cumpre recuperar a todo o transe.


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