sábado, 19 de setembro de 2015

Escorreguei na cauda de um dragão

BÁRBARA JORDÃO RODHNER


Desci a cauda de um dragão. Escorreguei.


A beleza de um animal ancestral é a sua brutalidade, a sua ausência de medo. Garras em vez de mãos. Escamas em vez de pele. Queimada do sol, suei. O corpo-crocodilo imanava um cheiro ácido de sexo versus a minha virgindade árida e adocicada. Sabia ao que ia. Sabíamos os dois...


Nenhum vacilou. Nenhum se demorou...


Desviando o olhar um do outro, procurámos as bocas onde ainda não moravam beijos. Respiramos juntos...


No entreaberto-pequeno por onde vibram os corações humanos as línguas encontraram-se num ninho. Unindo-se, uniram-nos. Senti as pernas encharcadas, as costas feridas sangravam pequenas gotinhas de fel.


Silêncio! A boca fechou-se. O arco da cabeça vibrou. Entregamo-nos os dois...


Não há amor onde existe ego. Não houve performance. Nem tão pouco houve só sexo. Houve tudo o resto... Mão na mão. Peito a favor de peito.


- Porque demoraste tanto?


- Acho que perdi o foco no caminho...


Palavras a mais para quê? Chegámos onde éramos destinados. Reconhecemo-nos. Reencontramo-nos. O resto são literalmente restos sem nexo...


Senti o líquido sagrado subir-me as entranhas.


- És meu?


- Todo teu.


As bocas reuniram-se em paz e foi assim que o primeiro beijo da humanidade se deu.


Desci a cauda do dragão... Escorreguei mas não cai.

Sem comentários:

Enviar um comentário