quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Por linhas tortas, caminho a direito


JOÃO CACHADO

Não será pelo facto de, muitas vezes, fazer a mesma caminhada – entre a Estefânea e o Caminho da Fonte dos Amores, através de ruas imensamente familiares, cujos ínfimos detalhes conheço e reconheço como os da palma da mão – que desaparece ou se atenua a sensação de agressão em relação a tudo quanto de menos positivo vai aparecendo diante dos meus olhos.

Aliás, neste contexto, será em sentido oposto o testemunho a partilhar já que, na ausência de intervenções de beneficiação, as razões de queixa apenas se agravam. Se perguntarem a que tipo de agressão me refiro, confesso que, a mais desconfortável, me levará a mencionar cenários que, há décadas, constituem desgosto dificilmente suportável.

Tempos houve em que, muito provavelmente, devido a falhas de lucidez que a idade se encarregou de suprir, consentia eu que tal quadro me avinagrasse os dias. Actualmente, não. Depois de um fartar de promessas e de muitas palmadinhas nas costas, consigo caminhar serenamente, sem as dores que outros devem carregar…

E, assim, aliando os benefícios para a saúde de uma caminhada diária de seis quilómetros, tenho o privilégio de fazer um percurso invejável – que, em qualquer parte do civilizado mundo, sempre seria incensado devido aos seus incomparáveis e sucessivos ingredientes de beleza – mantendo a boa esperança de que seja transposto o cabo a partir do qual estará à vista a solução para as questões em presença.

Gerais mas bem concretos

Poderia detalhar a rua de pavimento tão irregular que até os condutores de veículos todo o terreno têm dificuldade no seu controlo? Claro que sim. Mas, se o fizesse também teria de me referir ao seu troço pedonal, cinzentão, mal feito, impermeabilizado, a coisa mais horrível de Sintra, antiga artéria comercial cheia de movimento, que, desde o início do século XXI, passou a ser um inqualificável cemitério, tantas vezes transformado em inqualificável parque de estacionamento…

Não, neste escrito, não há necessidade de ir identificando, porque são perfeitamente conhecidos os precisos objectos do desconchavo. Assim, apenas em termos gerais, é que lembro os escorregadios, sujos, irregulares e perigosos passeios, com os lancis partidos, impróprios para pessoas normais e, muito menos, cidadãos com mobilidade reduzida e pais que tenham de empurrar carrinhos ou cadeiras de bebés.

Ou os muros descuidados. E os fios eléctricos pendurados? E as casas? Várias neste percurso, em ruína imparável, decadentes, absolutamente periclitantes, algumas com arbustos crescendo na ponta do telhado, fachadas descoloridas, rachadas, a desfazerem-se, janelas podres, vidraças partidas, deixando aperceber o interior desventrado.

Trata-se de propriedade particular? Nalguns casos, é verdade. E não haverá dispositivo legal que resolva esta questão que carrega um legado de geracional mas tão característica incompetência? Contudo, também há edifícios do património municipal. Por exemplo, na Alfredo da Costa. Claro que não há necessidade de identificar…

Em pleno centro histórico, na Vila Velha, além do mais recente desmando da esplanada, multiplicam-se os casos afins do quadro e da moldura a que venho aludindo. Para quê continuar alinhando mais motivos de desgosto? Com o risco de ser contraproducente?

De uma vez por todas!

Em contrapartida, muito melhor me sinto repetindo a ideia que, tantas vezes, tenho partilhado no sentido de operacionalizar uma entidade gestora da sede do concelho, abrangendo todo o território definido pelas anteriores três freguesias. Em qualquer parte do mundo, com desafios congéneres aos de Sintra, a gestão local é extremamente exigente, totalmente focalizada para a sofisticação dos lugares únicos com que deve estar preocupada, única e exclusivamente preocupada.

De tal modo importantes e sui generis são as necessidades, deste coração do concelho que só uma entidade exclusivamente dedicada, bem dotada de recursos humanos e materiais, com uma boa transferência de competências, poderá estar à altura dos desafios. Para o efeito, porque não se trata de matéria para brincadeira, jamais pensaria na União das Freguesias de Sintra…

“(…) mantendo a boa esperança de que seja transposto o cabo a partir do qual estará à vista a solução para as questões em presença. (…)”

Com tão sincero desejo, poderia terminar. Se não o faço de imediato, é porque gostaria de recordar uma tão sincera quanto frequente atitude do Dr. Basílio Horta. Homem que tem servido a República nos mais diferentes postos da Administração, com larguíssima experiência de direcção e gestão, a quem o país deve inestimável empenho na defesa dos interesses nacionais, o actual Presidente da Câmara Municipal de Sintra queixa-se imenso da lentidão dos procedimentos administrativos.

Como não entendê-lo? Na realidade, como não concordar quanto à ideia de que tudo parece armadilhado para obstaculizar as melhores vontades de bem resolver as situações apontadas? De qualquer modo, perante o desabafo do edil, como toda a compreensão deste mundo, nada adianta para que, em tempo oportuno, os munícipes vejam satisfeitos os seus anseios, então, o que fazer?

Embora com o risco de que seja entendida como simplista ou redutora, a solução passa pela assunção plena, por parte de executivo municipal, de um dos grandes princípios da Democracia e do Estado Democrático de Direito, qual seja o do inequívoco exercício da autoridade democrática que detém para cumprir e fazer cumprir as leis em vigor.

Se tal estivesse a acontecer, em vez da institucionalizada cultura do desleixo, que subjaz a todas, todas as situações anteriormente referidas, razões não teríamos para manifestar estes desgostos.

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 

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