quinta-feira, 10 de março de 2016

Relatos de um Alagamarense em Cubucaré IV

GONÇALO SALVATERRA


Numa destas manhãs que passaram, os meus ouvidos registaram as vozes que escapavam da rádio de um dos vizinhos. Diziam as vozes num crioulo claramente da capital, a julgar pela facilidade com que percebi, que dois homens ligados ao estado islâmico tinham sido apanhados em território guineense.

Ficaria mais preocupado se eu parecesse europeu, mas sabem, aqui muita gente pensa que sou árabe, vejam bem que até respondo com frequência alekusalam – só não sei escrever, e o meu corrector ortográfico é demasiado ocidental para o corrigir – e mais, quando me perguntam em sosso se amanheci bem (ereki) eu respondo, bem, graças a deus (altanto). Portanto acho que não vou ter problemas, basta que para isso continue a deixar crescer a barba e a responder desta forma.

Mas para o caso de alguém da minha família ou amigos continuar preocupado, alegre-se porque onde estou dificilmente se chega, até os Toyotas do estado islâmico, oferecidos sabemos nós por quem, furariam tantos pneus que desistiriam a meio do caminho, amaldiçoando estas terras de Cabral para todo o sempre. Já estou a imaginar a praga que rogariam, por entre vozes esganiçadas de frustração ao bater a retirada. – Que nenhuma virgem pise este chão.

Existe um provérbio em sosso, a propósito de quando pisamos a cobra Tambalumbi, cujo nome científico desconheço que diz o seguinte – Ibaracaduiána folo, Ibaracaduiana taguili, ibaracaduiana dili. Ou seja se pisarmos a cabeça chegámos ao mundo, se pisarmos o meio, chegámos a meio do mundo, se pisarmos o fim, chegámos ao fim do mundo, pois ela morde e nós morremos. Bom, com isto não pretendo dizer que aqui vou morrer, mas que podemos considerar Cubucaré, especialmente o regulado de Cabedu e Cadique, como ibaracaduiadana díli, o fim do mundo.

Contrariamente ao provérbio, é precisamente no fim do mundo que não morremos vítimas da guerra, pelo menos é isso que a história de conflitos pós-coloniais da Guiné nos indica. O que quereria o estado islâmico aqui? Só se for produção de arroz deficitária.

Por outro lado, em caso de doença torna-se complicado, e é tão complicado que não ouso utilizar o meu sarcasmo nisto. Basta dizer que andei de montanha russa pela primeira vez no caminho entre Bissau e Madina de Cantanhez. Uma experiência que o meu corpo, especialmente a minha coluna jamais esquecerá.

Por isso, fiquem descansados, a não ser que o estado islâmico decida entrar pelos caminhos do trabalho de bolanha, para substituir a venda de petróleo à Turquia, pela venda de arroz, não me parece que queiram vir para aqui. Sabem, o arroz dá trabalho e o ocidente não quer saber disso para nada, já o ouro negro, esse sim, dá-lhes Toyotas.

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