quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A luz do luar

EURICO LEOTE


Colhi um pouco de luar. Guardei-o numa caixa singela de madeira, cor azul de céu, e cor verde dos campos.

Nos dias tristes e enevoados do nosso viver, levanto num golpe rápido e curto a tampa da caixa, soltando um pouco de luz, que vai alimentar as estrelas dos sonhos que acalentamos, na esperança de um dia os concretizar.

Muitas foram as vezes que repeti este gesto, no acto de abrir e fechar a minha caixa de madeira azul esverdeada, que aos poucos a luz do luar guardado nela, vai esmorecendo e surgindo mais pálida, na medida em que os anos avançam, e o tempo passa.

Ainda consigo contabilizar alguns dos sonhos que se iluminaram e concretizaram. A esperança ainda lá está igualmente guardada na minha caixinha de madeira, aguardando o seu chegar ao fim da linha, pois o comboio da vida, tem uma última estação obrigatória, de chegada sem retorno.

A luz do luar preciosamente guardada na minha caixa de madeira, extinguir-se-á um dia. Com ela partirão todos os sonhos, pois as esperanças serão as primeiras a partir, levadas pelos cabelos brancos criados pelos tempos e espalhados pela terra.

Enquanto existir uma réstia de luz do luar na minha caixa, continuarei a somar dias e horas à minha existência, procurando fazer e desfrutar dos pequenos prazeres da vida, todos aqueles que me forem possíveis concretizar, no respeito pelos que me rodeiam, e que comigo partilham esses momentos, sem esquecer a mãe natureza.

Todos devíamos ter direito a uma caixinha de madeira, mesmo que de cores diferentes. O luar é imenso, e um pouco da sua luz armazenada na caixinha de cada um de nós, não faria diferença. Mas sermos ou não possuidores da nossa caixinha, guardá-la só para nós, é fundamental na construção do dia a dia.

Este desejo e ao mesmo tempo voto, extensivo a todos, não se trata de um acto egoísta. Antes pelo contrário, pois é de dentro dessa caixa, que encerra um pouco da luz do luar, que conseguimos comunicar e partilhar uns com os outros, concretizando sonhos e desejos, executando projectos, espalhando paz e alegria pelos que nos rodeiam. É lá de dentro que retiramos toda essa força que nos permite ultrapassar obstáculos, e dominar a dor que por vezes no nosso íntimo sentimos.

Cada um de nós deve ser responsável pela sua caixinha, saber utilizá-la com parcimónia e critério, sem pressas, sem cobiçar a caixa do vizinho.

Já muitas foram as caixinhas que perderam a sua luz do luar nelas encerrada. Muitos já partiram no términus da sua luz interior, mas o luar continuará resplandecente, preenchendo outras novas caixas, sinal de continuidade, sinal de vigor e de desejo, rumo a um futuro incerto, para o qual só há um caminho: em frente, sempre…



                                                                               S. Cruz, 05/10/2014